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Nota sobre o CASA Feminina Parada de Taipas – Agosto 2017

Relatos de maus-tratos e torturas em unidades da Fundação CASA não são difíceis de ouvir por aquelas e aqueles sensíveis à discussão das medidas socioeducativas em São Paulo. São relatos apresentados pelas/os jovens que foram sentenciadas/os a tal medida socioeducativa de internação, familiares, e até mesmo de trabalhadoras/es do meio. A medida de internação, conforme caracterizada no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em sua Seção VII, artigo 121, é descrita como “medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Ainda a partir da lei supracitada, na mesma seção, em seu artigo 125, dispõe: “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”.

Enquanto coletivo autônomo que atua no âmbito das medidas socioeducativas em São Paulo, nos cabe destacar que para a Fundação CASA as modalidades de “contenção e segurança” se dão a partir da opressão, violência e tortura, ocultada por métodos de estancamento de hematomas, conivência de diretores/as dos centros, trabalhadores/as e também do sistema Judiciário paulista. O exemplo desses fatos podem ser revelados por meio da denúncia que ocorreu em novembro do ano passado no centro feminino Parada de Taipas, a qual mostra que familiares das/os jovens levaram as denúncias às instituições responsáveis pela fiscalização da unidade, ou seja, Defensoria Pública do Estado de São Paulo e Ministério Público. Estas instituições foram informadas sobre uma sessão de tortura que havia ocorrido no centro, com relato de jovens com dedo fraturado, dentes quebrados, funcionários esfregando o rosto de jovens em urina, violência psicológica, entre outras arbitrariedades e violências praticadas por parte dos denominados “agentes socioeducativos”, com aval das coordenações e diretoria do centro. A contrapartida oferecida pelas instituições buscadas foi um processo verificatório para a juíza corregedora do Departamento de Execuções da Infância e Juventude – DEIJ, localizado na Vara Especializada da Infância e Juventude, no bairro do Brás, a qual culminou também na sindicância aberta pela corregedoria da Fundação CASA que, ao fim, negou que havia tido qualquer violência e afirmou ainda que tal centro é tido como “modelo”.

Recentemente trabalhadores do centro feminino Parada de Taipas, entraram em contato com este coletivo para denunciar variadas formas de violência, torturas e abusos que são utilizados no cotidiano. Segundo informações, neste último período de recesso escolar, as/os jovens têm permanecido trancados durante todo o dia nos módulos sem o direito ao lazer, à convivência e a outras atividades pedagógicas; diversas/os jovens estão sendo submetidas/os a tranca, sem a notificação do Ministério Público, conforme é previsto em legislação, por motivos variados e, muitas vezes, não especificados; as/os jovens ainda estão sendo submetidas/os a revista constante, a durante a qual elas/eles devem ficar nus, sentadas/os no chão com a cabeça entre os joelhos. Há também relatos de agressão física perpetradas por agentes socioeducativos homens como, por exemplo, arrastar as jovens no chão puxando-as pelo cabelo, chutes, socos e tapas desferidos as/os jovens quando já estão algemadas/os, e diversas situações de abuso sexual, como fazer as jovens exibirem seu corpo como moeda de troca, tocar o corpo das jovens sem seu consentimento, olhares direcionados à genitália das jovens, dentre outras situações, que, inclusive, nos fazem questionar o motivo pelo qual há agentes socioeducativos homens em centros femininos. Ainda, segundo trabalhadores, os jovens que cumprem medida de internação no centro feminino, são vítimas de maiores agressões físicas por serem considerados “machinhos”. Cabe destacar também, conforme fora informado, que nos últimos tempos o clima no centro é de tensão e que há o risco iminente das/dos agentes realizarem outra sessão de tortura contra as/os jovens presas/os, assim como ocorrera em novembro do ano passado.

A Unidade da Fundação CASA Parada de Taipas é “modelo” de tortura, não são “casos isolados” como a instituição já disse sobre denúncias realizadas em outras ocasiões, é o dia-a-dia, a engrenagem que faz ela funcionar, existir. Em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/unidade-casa-de-taipas), órgão integrante da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio de uma equipe multidisciplinar, esteve presente na unidade e publicou em outubro do referido ano um relatório sobre o que presenciou durante as visitas e o que foi apreciado a partir dos relatos das/dos adolescentes, que tiveram suas identidades preservadas. De acordo com este documento, “(…) as adolescentes então passaram a falar sobre o cotidiano da unidade, abordando várias situações de dúvidas, incômodos e situações que podem ser configuradas como de maus-tratos, tratamentos desumanos e degradantes tortura (sic)” (pp.15, grifo nosso).

Recentemente Berenice Giannella saiu da presidência da Fundação depois de 12 anos, numa gestão apontada pela imprensa como eficiente economicamente, responsável por diminuir as rebeliões, mas que na verdade aperfeiçoou a tortura, a dosando em formas de espancamentos, medicalização, humilhação e ocultação de todo esse processo. Assume o atual Secretário da Justiça e Defesa da Cidadania, Márcio Fernando Elias Rosa; a expectativa é de continuidade, o alinhamento ao PSDB de anos, o que, portanto, nos apresenta a reflexão da função das medidas socioeducativas, seja as do meio aberto ou fechado, resultante no processo de maior criminalização, encarceramento e punição de uma infância e juventude que teve o seu processo de desenvolvimento livre de violência negado e que as políticas públicas destinadas a ela se dá pela via do braço armado do Estado.