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Nota sobre o CASA Feminina Parada de Taipas – Agosto 2017

Relatos de maus-tratos e torturas em unidades da Fundação CASA não são difíceis de ouvir por aquelas e aqueles sensíveis à discussão das medidas socioeducativas em São Paulo. São relatos apresentados pelas/os jovens que foram sentenciadas/os a tal medida socioeducativa de internação, familiares, e até mesmo de trabalhadoras/es do meio. A medida de internação, conforme caracterizada no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em sua Seção VII, artigo 121, é descrita como “medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Ainda a partir da lei supracitada, na mesma seção, em seu artigo 125, dispõe: “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”.

Enquanto coletivo autônomo que atua no âmbito das medidas socioeducativas em São Paulo, nos cabe destacar que para a Fundação CASA as modalidades de “contenção e segurança” se dão a partir da opressão, violência e tortura, ocultada por métodos de estancamento de hematomas, conivência de diretores/as dos centros, trabalhadores/as e também do sistema Judiciário paulista. O exemplo desses fatos podem ser revelados por meio da denúncia que ocorreu em novembro do ano passado no centro feminino Parada de Taipas, a qual mostra que familiares das/os jovens levaram as denúncias às instituições responsáveis pela fiscalização da unidade, ou seja, Defensoria Pública do Estado de São Paulo e Ministério Público. Estas instituições foram informadas sobre uma sessão de tortura que havia ocorrido no centro, com relato de jovens com dedo fraturado, dentes quebrados, funcionários esfregando o rosto de jovens em urina, violência psicológica, entre outras arbitrariedades e violências praticadas por parte dos denominados “agentes socioeducativos”, com aval das coordenações e diretoria do centro. A contrapartida oferecida pelas instituições buscadas foi um processo verificatório para a juíza corregedora do Departamento de Execuções da Infância e Juventude – DEIJ, localizado na Vara Especializada da Infância e Juventude, no bairro do Brás, a qual culminou também na sindicância aberta pela corregedoria da Fundação CASA que, ao fim, negou que havia tido qualquer violência e afirmou ainda que tal centro é tido como “modelo”.

Recentemente trabalhadores do centro feminino Parada de Taipas, entraram em contato com este coletivo para denunciar variadas formas de violência, torturas e abusos que são utilizados no cotidiano. Segundo informações, neste último período de recesso escolar, as/os jovens têm permanecido trancados durante todo o dia nos módulos sem o direito ao lazer, à convivência e a outras atividades pedagógicas; diversas/os jovens estão sendo submetidas/os a tranca, sem a notificação do Ministério Público, conforme é previsto em legislação, por motivos variados e, muitas vezes, não especificados; as/os jovens ainda estão sendo submetidas/os a revista constante, a durante a qual elas/eles devem ficar nus, sentadas/os no chão com a cabeça entre os joelhos. Há também relatos de agressão física perpetradas por agentes socioeducativos homens como, por exemplo, arrastar as jovens no chão puxando-as pelo cabelo, chutes, socos e tapas desferidos as/os jovens quando já estão algemadas/os, e diversas situações de abuso sexual, como fazer as jovens exibirem seu corpo como moeda de troca, tocar o corpo das jovens sem seu consentimento, olhares direcionados à genitália das jovens, dentre outras situações, que, inclusive, nos fazem questionar o motivo pelo qual há agentes socioeducativos homens em centros femininos. Ainda, segundo trabalhadores, os jovens que cumprem medida de internação no centro feminino, são vítimas de maiores agressões físicas por serem considerados “machinhos”. Cabe destacar também, conforme fora informado, que nos últimos tempos o clima no centro é de tensão e que há o risco iminente das/dos agentes realizarem outra sessão de tortura contra as/os jovens presas/os, assim como ocorrera em novembro do ano passado.

A Unidade da Fundação CASA Parada de Taipas é “modelo” de tortura, não são “casos isolados” como a instituição já disse sobre denúncias realizadas em outras ocasiões, é o dia-a-dia, a engrenagem que faz ela funcionar, existir. Em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/unidade-casa-de-taipas), órgão integrante da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio de uma equipe multidisciplinar, esteve presente na unidade e publicou em outubro do referido ano um relatório sobre o que presenciou durante as visitas e o que foi apreciado a partir dos relatos das/dos adolescentes, que tiveram suas identidades preservadas. De acordo com este documento, “(…) as adolescentes então passaram a falar sobre o cotidiano da unidade, abordando várias situações de dúvidas, incômodos e situações que podem ser configuradas como de maus-tratos, tratamentos desumanos e degradantes tortura (sic)” (pp.15, grifo nosso).

Recentemente Berenice Giannella saiu da presidência da Fundação depois de 12 anos, numa gestão apontada pela imprensa como eficiente economicamente, responsável por diminuir as rebeliões, mas que na verdade aperfeiçoou a tortura, a dosando em formas de espancamentos, medicalização, humilhação e ocultação de todo esse processo. Assume o atual Secretário da Justiça e Defesa da Cidadania, Márcio Fernando Elias Rosa; a expectativa é de continuidade, o alinhamento ao PSDB de anos, o que, portanto, nos apresenta a reflexão da função das medidas socioeducativas, seja as do meio aberto ou fechado, resultante no processo de maior criminalização, encarceramento e punição de uma infância e juventude que teve o seu processo de desenvolvimento livre de violência negado e que as políticas públicas destinadas a ela se dá pela via do braço armado do Estado.

 

 

Nota sobre o CASA Cedro – Maio 2017

Familiares de jovens presos na Fundação CASA Cedro, localizada no Complexo da Raposo Tavares, em visita aos seus filhos neste último sábado (20 de maio), informaram ao Coletivo Autônomo Herzer que seus filhos sofreram diversas violências na segunda, dia 15 de maio, solicitando ajuda para divulgação.

Segundo as informações recebidas, o “Choque” entrou na unidade em plena madrugada (4h da manhã), agredindo diversos jovens, deixando-os somente de shorts no frio e, inclusive utilizando gás de pimenta nos rostos deles, material que é proibido nas unidades da Fundação CASA.

A informação dá conta de que entraram neste horário para fazer uma revista na unidade e pegarem os jovens de surpresa. Há informações de que a direção da unidade é totalmente omissa a todos os recentes casos de violência e que inclusive manda funcionários darem tapas na cara dos jovens presos; recentemente técnicas que atendem jovens da Cedro e que tinham boa relação com os jovens e com familiares foram transferidas para outras unidades.

Os “casos isolados” de violência que vem acontecendo no Complexo da Raposo Tavares da Fundação CASA há dezessete anos

Entre os quilômetros 19,5 e 20 da Rodovia Raposo Tavares, na divisa das cidades de São Paulo e Osasco, há aproximadamente 3.250 pessoas presas, sendo aproximadamente 3 mil adultos de acordo com o site da SAP[1] e pelo menos 250 jovens, de acordo com familiares e funcionários da Fundação CASA. Lá, temos o Centro de Progressão Penitenciária Feminino “Dra. Marina Marigo de Oliveira” do Butantan, o Centro de Detenção Provisória I “Ederson Vieira de Jesus” de Osasco, o Centro de Detenção Provisória II “ASP Vanda Rito Brito do Rego” de Osasco e o Complexo da Fundação CASA da Raposo Tavares, o qual agrupa cinco unidades de “internação” (que entendemos como prisão) de jovens: CASA Ipê, CASA Cedro, CASA Nogueira, CASA Jatobá e CASA Nova Aroeira. Quem passa aos finais de semana por ali observa dezenas de pessoas (em grande parte mulheres) carregando bolsas de jumbo a caminho da visita e, consequentemente, a caminho da revista vexatória.

No começo do mês de fevereiro de 2017 chegaram ao Coletivo Autônomo Herzer algumas cartas de jovens presos neste Complexo da Fundação CASA; jovens das unidades Jatobá e Cedro que são frequentemente agredidos por funcionários e também mencionam a rotina de restrição de alimentos, água e higiene. Mães também relatam que a unidade Nova Aroeira tem feito “boas vindas” para quem chega na unidade, com sessões de espancamento e isolamento. Diante destas informações o coletivo se organizou para comparecer na porta do Complexo nos dias de visita para fortalecer familiares e tornar público o que estava acontecendo. Esta não foi a primeira vez que o Herzer se organizou na porta deste Complexo. Em 2014, quando atuava como  Rede 2 de Outubro, algumas ações e vínculos com familiares foram costurados, sendo que algumas permanecem até hoje. Também não é a primeira vez que se sabe de diversas formas de tortura vivenciadas por jovens dentro deste Complexo da Fundação CASA.

Em uma busca rápida na internet conseguimos montar uma cronologia de notícias de diversas violências cometidas contra jovens presos no Complexo da Fundação CASA da Raposo Tavares. Sabe-se que estas denúncias publicizadas representam apenas a ponta do iceberg de toda a violência praticada contra jovens em qualquer cadeia para adolescentes, seja nos tempos da FEBEM ou da Fundação CASA no Estado de São Paulo, no Degase no Rio de Janeiro ou nas unidades do Cense no Paraná. O que aparece na mídia é sempre uma pequena porção de toda a violação existente em unidades prisionais, seja de adultos ou de jovens.

Em nossa busca, entrando com as palavras-chave “Complexo da Raposo Tavares Fundação CASA” no Google e selecionando todas as notícias que tratam de violações aos direitos humanos neste lugar, a primeira se refere ao ano 2000, ainda quando a FEBEM era responsável pelo encarceramento de jovens no Estado de São Paulo. Em “Justiça condena 14 acusados de tortura na Febem, em SP”[2], temos acesso a um processo que condenou a 925 anos de prisão pelo crime de tortura quatorze funcionários ligados à FEBEM, funcionários da Raposo Tavares e também de Franco da Rocha, os quais promoveram sessões de espancamento a jovens presos e também articularam restrição à água, alimentos e falta de higiene; a condenação saiu em 2006.

Em 2003, em uma matéria do Estadão[3], um funcionário da Raposo Tavares afirma que os jovens não tem acesso a aulas ou participam de qualquer tipo de atividade pedagógica, cultural, esportiva; “é tudo fachada”, diz ele. No ano de 2004 nos chama a atenção uma carta aberta[4] publicada pelo Coletivo de Professores Indignados com a Situação na Febem, os quais contam sobre uma rebelião no Complexo da Raposo, onde docentes foram feitos reféns. Além disso, relataram sobre as condições de lecionar dentro daquele espaço, onde fiscalizam e censuram os conteúdos de suas aulas, proíbem a APEOESP de entrar no Complexo e docentes de falar sobre qualquer situação vivenciada lá dentro, além de tratarem sobre o silêncio da mídia acerca do caso e da afirmação de que “a escola na Febem não é uma escola”.

O antropólogo Fabio Mallart, autor do livro “Cadeias dominadas: A Fundação CASA, suas dinâmicas e as trajetórias de jovens internos”, narra sua experiência entre 2004 e 2009 como oficineiro junto aos adolescentes de vários complexos, entre os quais inclusive o da Raposo Tavares. Mallart argumenta que a estrutura da medida socioeducativa é baseada na mesma do cárcere, tendo seus símbolos, sua hierarquia e situações-conflito fazendo referência a este, de modo que os adolescentes (há vários relatos específicos e fortes sobre as unidades da Raposo) se veem como parte da lógica do crime, a qual se segmenta e atua a partir do modelo de facções, para que sobrevivam em meio àquele ambiente de tensão[5].

Em 2008, dois anos após a transição de FEBEM para Fundação CASA e sob a presidência de Berenice Maria Giannella, a Folha publicou uma matéria sobre o afastamento de Berenice em decorrência de irregularidades nos Complexos da Vila Maria e da Raposo Tavares da Fundação CASA. A decisão se fundamenta em relação aos jovens ali presos estarem em situação de “mero confinamento, ociosidade e segregação punitiva, sem implementação de atividades pedagógicas mínimas e medidas para coibir a violência contra os internos” [6]. No começo de 2010, o Estado de São Paulo publicou um relatório[7] que denuncia diversas violações a jovens presos na Vila Maria e na Raposo Tavares cometidas no ano anterior. Elaborado pela Conectas Direitos Humanos, Ilanud, Instituto ProBono, ACAT, AMAR, Comissão Teotônio Vilela e Cedeca Sapopemba e Interlagos, o relatório versa principalmente sobre o Complexo da Raposo Tavares, onde um garoto passou mais de 20 dias na “tranca” (solitária) e outros dois tiveram diversos ferimentos em decorrência de funcionários jogarem aparelhos de TV e som neles.O relatório também pontua o alto índice de medicalização, onde um terço dos jovens lá presos eram medicados com psicotrópicos; um jovem que tem uma bolsa de colostomia onde “a demora e os atrasos no seu atendimento regular lhe causam graves problemas, inclusive uma vez se viu obrigado a substituir a sua bolsa de coleta por um saco plástico de supermercado”; jovens com braços quebrados depois da entrada do “Choquinho”, os quais não tiveram atendimento médico adequado, resultando na restrição de movimentos. Ainda sobre este relatório, destacamos a música do “Grupo de Apoio”, cantada antes de intervenções nas unidades da Fundação CASA: “Grupo de apoio/ qual é sua missão? / Entrar na unidade / Pra quebrar ladrão / Grupo de apoio / Qual é sua missão ? / Bater nos ladrão e derramar sangue no chão”.

Em 2011 o Complexo da Raposo Tavares esteve muito presente na mídia devido às diversas violações e torturas praticadas por funcionários contra os jovens ali presos. Foram divulgadas cartas escritas por garotos que passaram por aquele Complexo e principalmente na unidade Jatobá, em que familiares se organizaram junto a movimentos como AMPARAR, Rede 2 de Outubro e Mães de Maio, fazendo diversos atos e movimentações para publicizar o que acontecia no Km 19,5 da Raposo Tavares[8], rendendo até a visita do Subcomitê de Prevenção da Tortura da Organização das Nações Unidas (ONU). Infelizmente o resultado de toda esta movimentação foi o afastamento de direções de Unidades, que posteriormente assumiram outros postos em outras unidades da Fundação CASA, um jogo de xadrez que caracteriza a medida de internação da Fundação CASA no Estado de São Paulo em casos de denúncias de tortura. A AMPARAR acompanhou de perto este caso e em relatório produzido para a ONU narra uma cronologia de violações na Raposo Tavares; em 2012, na Jatobá, mencionam as agressões contra jovens perpetradas pelo próprio diretor, a divulgação de cartas de jovens relatando tortura e espancamentos com cabos de vassoura, cadeiras e “clicke” de ferro, inclusive com jovens não recebendo atendimento médico posteriormente. Sobre 2013 falam sobre uma rebelião no CASA Jatobá que visava denunciar os maus-tratos vivenciados, a qual resultou na absurda transferência de 12 jovens maiores de 18 anos para o CDP de Osasco; em 2015 familiares continuavam se organizando, pois os jovens ainda permaneciam no CDP.

Em 2015 foi a vez do CASA Cedro novamente ser o destaque na tortura do Complexo da Raposo Tavares da Fundação CASA. Em matéria do G1 “Jovens são espancados na Fundação CASA, diz Defensoria; MP abre ação” [9] é relatada tortura e agressões a pelo menos 15 jovens presos na Cedro, os quais foram agredidos com cassetetes, cadeiras, cintos, cabos de vassoura, resultando em hematomas nas costas, pernas, olhos e um jovem com o braço quebrado, além de também não receberem cobertores e constatarem que os dormitórios são úmidos e possuem mofo.

Fizemos esta cronologia para afirmar que o que acontece no Complexo da Raposo Tavares e em todas as unidades da Fundação CASA não são fatos isolados, não são situações pontuais e sim dinâmicas que estão internalizadas em seu cotidiano. A tortura faz parte do funcionamento da Fundação CASA, engrenagem que viabiliza seu “funcionamento”. Inclusive, em 2017, mais um caso sobre a Jatobá foi publicado pela Ponte[10]. No início de março de 2017 (dia 11/03, sábado), soubemos que um adolescente de cada dormitório do centro Jatobá foi “destacado” (selecionado) pelos funcionários da área de segurança e sofreram uma sessão de espancamento junto aos adolescentes que chegaram durante a semana no centro. Segundo os relatos dos adolescentes, é “normal” que adolescentes recém-chegados passem pela sessão de agressão, um tipo de recepção cruel de “boas-vindas” por parte dos funcionários, mas não havia ocorrido ainda sessões conjuntas de tortura com adolescentes novatos e antigos do centro. Além disso, aqueles que foram espancados tiveram suas cabeças raspadas, de modo a serem punidos e também identificados.

Na sexta-feira, dia 18 de março, soubemos que os jovens presos no CASA Cedro foram espancados brutalmente, tiveram que tomar pontos nas pernas e cabeça, sendo que um jovem teve seu dente arrancado por um funcionário que arremessou uma cadeira em sua boca.

Segue carta na íntegra de um dos jovens presos nesta unidade:

Dia 20/03/17 Opressão

Meu nome é XXXXX estou pedindo ajuda de vocês porque ouve opressão. Muitos adolescentes machucados, XXXXX quebrou o dedo, XXXXX quebrou os dentes, XXXXX ponto na testa, na perna, XXXXX varios cortes na cabeça, XXXXX ponto na cabeça. Muitas agressões bateram em nois com os cadiados de ferro, machucaram nois muitos bateram na nossa cara. Ajuda nois pessoal ta dificil pra nois, eles estão quebrando nois, batendo na nossa cara, nois queremo o nosso bonde porque eles falaram que vai pegar nois dormindo e entrar um monte de funcionário e quebra nois. Nois queremos sair dessa unidade porque a diretora não ta nem aí ela passa pano fala que nois tem que apanhar na cara pra nois aprende. Não é assim como nois vamos aprender desse jeito apanhando, como nois vamos tirar a nossa medida socioeducativa.

A situação por lá está insustentável, familiares e jovens clamam por ajuda em meio a um misto de revolta e humilhação. O que se pode perceber é que a violência segue sendo perpetuada todos os dias no Complexo da Raposo Tavares e em todas as unidades da Fundação. Denúncias são feitas, em âmbito nacional e internacional, e nenhuma mudança estrutural é verificada. O sangue continua sendo derramado todos os dias sob a nebulosa falácia das “medidas socioeducativas”, as quais autorizam e formalizam o cárcere e a tortura para as adolescências indesejáveis.

 

[1] http://www.sap.sp.gov.br/uni-prisionais/cdp.html#

[2] http://www.conjur.com.br/2006-out-04/quatorze_acusados_sao_condenados_925_anos_prisao

[3] http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,mais-uma-tentativa-de-fuga-na-febem-raposo-tavares,20030318p6035

[4] http://www.brasil.indymedia.org/pt/blue/2004/05/281480.shtml

[5] MOREIRA, Fabio Mallart. Cadeias dominadas: dinâmicas de uma instituição em trajetórias de jovens internos. USP, dissertação de mestrado, 2011

[6] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2008/09/441475-justica-de-sp-afasta-do-cargo-a-presidente-da-antiga-febem.shtml

[7] http://www.global.org.br/blog/uol-relatorio-aponta-casos-de-violencia-na-antiga-febem/

[8] http://negrobelchior.cartacapital.com.br/fundacao-casa-tortura-e-o-caso-da-unidade-raposo-tavares/

[9] http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/07/jovens-sao-agredidos-na-fundacao-casa-diz-defensoria-mp-abre-acao.html

[10] http://ponte.cartacapital.com.br/jovem-denuncia-violencia-na-fundacao-casa-chutes-madeira-enforcamento-e-soco-ingles/

APÓS REPERCUSSÃO DE DENÚNCIA, FUNDAÇÃO CASA TENTA ACOBERTAR TORTURA NA UNIDADE DE TAIPAS

Após a repercussão das notícias que visibilizaram as agressões e torturas que ocorreram no dia 11/11/2016 (sexta-feira) cometidas contra as/os meninas/os que estão presas/os no Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) Feminino Parada de Taipas, a Fundação CASA passou a atuar no sentido de acobertar tais fatos de diferentes maneiras, como em resposta formal à Ponte Jornalismo na matéria publicada no dia 16/11, bem como na atuação dos/as funcionários/as da unidade durante a visita familiar realizada no último sábado, dia 19/11/2016.

Como noticiou a Ponte Jornalismo e outros veículos durante a mesma semana, há relatos de que “as adolescentes foram arrastadas para fora das acomodações pelos cabelos e por seus uniformes e aglomeradas, nuas, diante de monitores e seguranças homens e mulheres. (…) foram agredidas por sete pessoas (quatro mulheres e três homens) com chutes, tapas, socos e ofensas verbais. Entre os ferimentos há relatos de costelas quebradas, já que não conseguiam se mexer de tanta dor, além de ouvidos machucados, com hematomas, inclusive com suspeita de tímpano lesado, além de dedos quebrados[1]. Ao ser procurada pela Ponte Jornalismo e pela Revista Brasileiros, a assessoria de imprensa da Fundação Casa negou as agressões. Disse ainda que a unidade de Taipas é a única a ter piscina, o que, além de ser um argumento que não implica na garantia dos direitos das/dos adolescentes internadas/os (esta deveria ser assegurada pela gestão e funcionários da unidade), configura-se como mentira, uma vez que a piscina está desativada há um longo tempo, conforme relatado por familiares que realizam visita na unidade. Ademais, a assessoria informou que as enfermeiras não constataram nenhuma marca de violência. A Revista Brasileiros pediu por relatórios que comprovassem o atendimento médico, mas a assessoria informou que “como não houve agressão, nenhum documento sobre o caso foi feito”[2].

Relacionamos abaixo as respostas na íntegra:

“Em resposta à reportagem, a assessoria de imprensa da Fundação Casa negou qualquer tipo de agressão. A Fundação disse ter consultado os diretores da unidade e os direitos regionais sobre as reclamações, além de ter procurado a segurança. Todos teriam negado quaisquer situações fora do normal na sexta-feira”.  Ponte Jornalismo – 16 de novembro de 2016

Brasileiros entrou em contato com a assessoria da Fundação Casa, que negou as agressões. Segundo eles, ocorreu uma revista no período da tarde do último dia 11, depois de funcionários ouvirem comentários de possibilidade de fuga de algumas internas, e que algumas meninas ficaram agitadas diante da situação, mas nenhuma agressão foi cometida e a ação foi prevenção a uma futura fuga. A assessoria informou ainda que enfermeiras da Fundação Casa examinaram as internas após as denúncias e nada foi constatado. A reportagem da Brasileiros pediu encaminhamento de nota sobre o caso e também relatórios médicos que comprovassem o atendimento das meninas, mas, segundo a assessoria, como não houve agressão, nenhum documento sobre o caso foi feito”. Brasileiros – 17 de novembro de 2016.

 

Cabe ainda ressaltar que, curiosa e estrategicamente, na última quarta-feira, 16/11, a diretora responsável pelo CASA Taipas saiu de férias — no mesmo dia em que a Ponte Jornalismo publicou a denúncia.

Porém, as vias midiáticas não foram as únicas a serem acionadas pelas famílias para denunciar a tortura acobertada pelo CASA Taipas. Nos dias 16 e 17 de novembro (quarta e quinta feira) membras deste coletivo foram junto com alguns familiares a diferentes instâncias institucionais e de defesa da criança e da/o adolescente formalizar as denúncias.

Abaixo segue um breve relato sobre os locais e encaminhamentos acionados:

– Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP)

Denúncia efetivada junto à Regional Infância e Juventude, localizada na Rua Piratininga, nº 85, Brás, São Paulo/SP. A DPESP é responsável por acompanhar todos os processos de apuração e execução dos/as adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa na grande São Paulo e, também, possui como atribuição a fiscalização dos centros de internação  da Fundação CASA. A defensora responsável pelo atendimento no plantão da instituição coletou a denúncia e informou que iria repassá-la à defensora responsável pela fiscalização do CASA Feminino Parada de Taipas. Ao que nos consta, em casos de tortura, a DPESP tem como encaminhamento o acionamento do Ministério Público, a realização de visita institucional e o acionamento da juíza corregedora da Fundação CASA para ciência dos fatos e tomada de providências, dentre elas, a solicitação da oitiva das/dos adolescentes envolvidas/os em juízo, ou seja, a escuta das vítimas de tortura frente ao juíz e ao promotor, objetivando o relato dos fatos.

– Ministério Público (MP)

Denúncia foi efetivada por via do Departamento de Execuções da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital, localizado na Rua Piratininga, nº 105, Brás, São Paulo/SP. No local, os promotores registraram a denúncia e relataram alguns procedimentos que podem ser realizados pelo MP a partir de suas atribuições como, por exemplo, a possibilidade de abrir inquérito policial por crime de tortura, solicitação de exame de corpo de delito e a abertura de processos verificatórios para apuração dos fatos e visitas institucionais.

– Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP)

Denúncia foi efetivada na quinta feira, 17.11, objetivando o acompanhamento mais próximo junto ao caso e, também, a possibilidade de encaminhar às outras organizações da área de direitos humanos.

– Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC)

Denúncia foi efetivada, e fomos informados/as sobre a possibilidade de acionamento direto do secretário da pasta, pleiteando uma reunião junto ao secretário de Justiça para ponderar quanto às torturas em unidades da Fundação CASA, em especial, o CASA Feminino Parada de Taipas. Nos informaram que os possíveis encaminhamentos eram: realização de visita institucional, acionamento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CMDCA-SP), entre outros caminhos possíveis a serem verificados.

– Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (CONDEPE-SP)

Denúncia efetivada, e, segundo informações repassadas, seria encaminhada ao conselheiro responsável pela área da infância, para que este faça as intervenções possíveis.

Após a formalização das denúncias nestas diversas instâncias, a unidade de Taipas recebeu, no dia 18/11, a visita da defensora pública Fernanda Balera, da promotora de justiça da Infância e da Juventude da Capital Paula Marques e de três conselheiros tutelares, que estiveram no local a pedido do CONDEPE-SP. O CONDEPE-SP encaminhou as denúncias para a presidenta da Fundação CASA, Berenice Gianella. Já a defensora Fernanda e a promotora Paula conversaram com diversas meninas e meninos, e todas/os confirmaram a ocorrência da sessão de tortura no dia 11/11. Segundo Balera e Marques, não havia mais hematomas à mostra, o que prejudica a credibilidade do caso perante a juíza corregedora.

É essencial relatar aqui alguns procedimentos comuns de funcionários de unidades da Fundação CASA após a realização de agressões físicas: fazer as vítimas passarem por banhos de água gelada, aplicação de pomadas e o conhecimento de locais estratégicos para agredir; tudo para que não haja hematomas. A defensora Balera e jovens que já passaram por unidades da Fundação afirmaram que tais práticas são muito comuns. Além disso, é importante ressaltar que tais visitas das instituições foram realizadas uma semana após a tortura, possibilitando que diversos sinais tenham sumido no decorrer deste tempo.

A promotora Paula Marques afirmou que irá encaminhar o caso entre os dias 21 e 22 de novembro, e que entre as possíveis medidas estariam: acionar a Juíza Corregedora, abrir um inquérito policial e instaurar um processo verificatório através do MP, que tem a atribuição de fiscalizar as unidades de internação. Já a defensora Fernanda Balera irá solicitar uma oitiva das/dos adolescentes, além de levantar elementos para mandar para a Juíza Corregedora e buscará acionar organizações internacionais para que divulguem o caso. Porém, a própria defensora afirmou que obter resultados favoráveis às meninas e meninos já é em si muito difícil. Sendo um caso em que não foram encontrados hematomas, se torna algo mais complicado ainda.

Isso deixa bem claro o descaso que ocorre com a vida dessas/es jovens, e a não responsabilização dos/as torturadores/as pelo ocorrido. Seria então necessário que as vítimas sofressem espancamentos de uma gravidade que após sete dias, e diversos procedimentos para ocultá-los, permanecessem extremamente visíveis para que então talvez algo fosse feito.

Em continuidade à nossa mobilização frente ao ocorrido, temos acompanhado as condições em que as/os meninas/os do CASA Taipas se encontram após as torturas. Ao realizarmos um levantamento de relatos junto aos familiares que visitaram o CASA Taipas no dia 19/11 (sábado), consideramos relevante tornar público que funcionários da unidade têm feito uma sequência de ameaças às/aos adolescentes ali internadas/os, bem como aos seus familiares. Há diversos relatos de que a situação não melhorou, considerando que as/os adolescentes permanecem silenciadas/os dentro da unidade e sem o devido atendimento médico necessário após as agressões. Os/as familiares revelam que as meninas e meninos estão sendo ameaçadas/os por funcionários/as caso falem algo sobre as condições nas quais estão sendo mantidas/os:

 

“[minha filha]Disse que tem uma tal de (nome da funcionária), que ainda tá perturbando as meninas. Ela disse que a tendência é piorar pro lado das meninas lá dentro, da parte dela.”

“Inclusive essa (nome da funcionária) aí, agora que eu to lembrando, as meninas foram reclamar que eles tavam batendo nelas nesse dia aí da sexta-feira, essa tal de (nome da funcionária) aí falou que ‘foi pouco, devia ter sido mais’, falou pras meninas”

 

Além disso, as meninas e meninos estão isoladas/os do convívio com as/os demais adolescentes, impedidas/os de frequentar os espaços comuns do centro de internação, de modo que são conduzidas/os da aula do ensino formal (obrigatório) para a “tranca”, sanção disciplinar comumente utilizada na Fundação CASA e citada em nosso primeiro documento[3] para impedir o convívio e a circulação das/dos adolescentes.

Ela falou que ficou 5 dias presa dentro do quarto, que não saíram pra lugar nenhum, que não deixavam ela sair, nem pra ir no banheiro. Inclusive ela falou que teve uma menina que fez as necessidades na roupa, porque eles não deixaram sair”

“Elas não tão, na quadra não vai, essa semana elas não foram nenhum dia e tão ficando no quarto mesmo, no módulo delas, o dia inteiro. Vai para aula, come, janta…”

“E outra coisa também, sobrancelhas não fizeram, unha, cabelo, que tem toda semana, toda a sexta-feira; essa semana não teve. Tem dois módulos lá que estão com o chuveiro gelado” 

 

Este último relato confirma a prática revelada neste texto, de dar banhos gelados  para que os hematomas saiam rapidamente. Ou seja, não foram privadas/os apenas do atendimento médico para as lesões, como também receberam punições extras, como a tranca, após a sessão de tortura, e o impedimento da realização de outras atividades que fazem parte do cotidiano das/os adolescentes na unidade. É importante ressaltar também que a dinâmica da visita na unidade foi modificada. Os/as familiares foram orientados/as a ficar em salas separadas com as/os adolescentes que foram visitar, situação que os/as impediu de ter acesso as/aos meninas/os que não recebem visita e que, de acordo com relatos anteriores, foram as/os mais agredidas/os:

 

 “As meninas [que não recebem visita] hoje a gente não viu porque a gente ficou numa sala separada. Então a gente não teve como ver elas. Geralmente elas ficam na sala perto lá da gente, mesmo onde a gente tem visita, a gente passa, a gente vê elas, a gente vai lá, cumprimenta, abraça, elas vem, conversam com a gente, já hoje não. Hoje ficou todo mundo esparramado. A gente não viu ninguém, só quem tava ali na visita mesmo. Só quem recebeu visita”.

 

Isto revela a tal diferença em relação a dinâmica de visitas praticada anteriormente à denúncia de tortura, quando as visitas tinham contato com outras meninas e meninos no CASA. Ao questionarem sobre as demais adolescentes, receberam como resposta dos/as funcionários que “se preocupassem apenas com a/o própria filha/o, caso contrário até mesmo essas visitas seriam impedidas”.

As falas dos/as familiares expõem ainda diferentes tipos de violações, como a dificuldade de acesso à unidade para qual suas filhas e filhos foram encaminhados/as, a medicalização excessiva e prolongação das medidas. Relata uma mãe:

“Mas, assim, o problema é as outras meninas, que mora longe, tem menina de Minas [Gerais], tem menina aí que eu acho que nunca teve visita. Por causa da distância! Porque às vezes a mãe tem um monte de filho, não tem condições de vir. E custa, lógico que custa. Cada vez que eu venho aqui de Limeira aqui, que é muito mais perto, eu gasto R$150,00. Eu saio sete horas da manhã, chego aqui uma hora da tarde, às vezes chego vinte pra uma. Chego em casa dez horas da noite. Isso se não tiver trânsito na Marginal”.

A questão da alta medicalização praticada pela unidade foi apontada por familiares e pela defensora pública Fernanda Balera. A utilização de químicos para contenção das/os internas/os é uma prática comum no CASA Taipas.

Já sobre a duração das medidas, de acordo com relatos de alguns familiares, o tempo de internação em Taipas tem sido de um ano e meio a dois anos, sempre prolongado a cada assinatura de novo CAD (conforme falamos no nosso primeiro documento, acima citado), na contramão do que estabelece o SINASE acerca da “brevidade” da medida de internação. Além das pessoas presas no CASA Taipas serem torturadas com frequência e em grande parte não receberem visita, também passam um enorme tempo de sua juventude sequestradas/os naquele calabouço.

Gostaríamos de ressaltar que o coletivo notou que alguns comentários referentes à matéria publicada pela Ponte ponderavam e chegaram mesmo a questionar a veracidade do conteúdo da notícia. O fato dos relatos de torturas partirem das mães das/dos adolescentes de alguma maneira foi encarado com certo descrédito, inclusive por parte de movimentos, pessoas e grupos de esquerda. O sofrimento das/os adolescentes presas/os na Fundação CASA é invisibilizado por todos os lados. Muitas vezes só lhes resta a sua palavra, e esta é vista como insuficiente. Uma mãe expondo a denúncia de tortura recebida por sua filha é motivo de desconfiança, e a consequência é o banho de sangue que temos em todas as prisões, diariamente, legitimadas por um discurso simplista e apoiado num punitivismo fomentado inclusive pela esquerda.

Por isso, reiteramos nossa posição sobre as medida socioeducativas, entendendo que estas propõem a judicialização das vidas jovens e a criminalização de uma certa adolescência, sobretudo aquela periférica, negra e pobre. Não estamos, portanto, pleiteando a reforma da Fundação CASA ou tampouco o cumprimento dessa justiça própria de nosso Estado Penal. Estamos alertando sobre como se operacionaliza, cotidiana e universalmente, a opressão sobre a juventude presa pelo Estado. Estamos demarcando a condição de violência estrutural que a prisão oferece – seja nos dias mais “atípicos” ou não – debaixo da fachada da ressocialização, projeto artificialmente inculcado no imaginário coletivo de modo a apaziguar as consciências e nos tornar menos responsáveis pelas vidas que vão sendo paulatinamente massacradas em lugares como aquele. Estamos anunciando que um projeto de sociedade que se queira libertária passa necessariamente pela corrosão de todas as prisões, para quem quer que seja.

Pedir punição ou entender o contexto brasileiro como cenário de impunidade é reafirmar que a prisão serve pra selecionar, de fato, pessoas indesejáveis e lhes aplicar o que lhes cabe: a vingança. Instituições totais, como as prisões, são opacas: tem muros, e esses servem pra que a leitura das realidades, das vidas e das diferentes histórias ali dentro sequestradas, seja dificultada.

Nossa leitura, apoiada em grandes libertárias/os, nas meninas e meninos vítimas das violências do Estado e em suas famílias é que a prisão é uma morte lenta, dolorosa e amplamente autorizada.  

 

FUNDAÇÃO CASA É CASA DE TORTURA.

24 de novembro de 2016

Coletivo Autônomo Herzer

 

[1] http://ponte.org/meninas-espancadas/

[2] http://brasileiros.com.br/2016/11/fundacao-casa-maes-acusam-maus-tratos-em-unidade-de-sp/

[3]  https://coletivoherzer.milharal.org/2016/11/16/tortura-fundacao-casa-taipas/

Novembro de 2016 – Tortura continua na Fundação CASA de Taipas e familiares se mobilizam

Na última sexta-feira (11.11.16) as meninas e meninos que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) Feminino Parada de Taipas iniciaram o seu dia sob tortura física e psicológica, segundo relatos feitos às suas famílias no último sábado (12.11), quando se realizou a visita familiar. É importante pontuar que a Fundação CASA Parada de Taipas é uma unidade feminina em que há também a presença de meninos transexuais (que se identificam com o gênero masculino).
Os/as funcionários/as de tal unidade iniciaram a ‘intervenção’ acordando as meninas e meninos ao som de barras de ferro, batendo-as nas portas de seus dormitórios, as quais também são de ferro, puxando-as/os pelos cabelos e pelas roupas e jogando-as/os no chão, iniciando assim uma sessão de espancamento. Os/as funcionários/as aglomeraram as meninas e meninos nuas/ nus, fazendo-as/os sentar pelo chão e as/os agredindo fisicamente com chutes, tapas, socos, além de ofensas verbais.

 

Ilustração feita por Sérgio Rossi

Ilustração feita por Sérgio Rossi

Segundo as famílias, esta “punição” se deu em decorrência de boatos que chegaram ao conhecimento da direção de que haveria intenção de fuga devido à proximidade do final de ano – justamente pela comoção que esse fato gera junto às/aos adolescentes internadas/os nos centros de internação como um todo – o que teria sido a justificativa encontrada pelos funcionários e funcionárias do centro para fazer a ‘intervenção’ ocorrida no dia 11.11.16. Ainda de acordo com os detalhes dados pelas/pelos jovens ali internadas/os aos seus familiares, na verdade teria ocorrido apenas um desabafo coletivo sobre a questão da tristeza motivada por essa época do ano dada a privação de liberdade, o qual foi mal interpretado pelas/os funcionárias/os do centro – o “sistema-opressão”, sobre o qual se sustenta atualmente a gestão do CASA e cujo significado efetivo explicaremos no decorrer do texto, não permite às/aos adolescentes esse tipo de fala, resultando, assim, numa imediata sanção por parte dos/das funcionários/as.
Seguem transcrições de relatos colhidos de alguns familiares das/dos adolescentes:

“A gente conseguiu ver as nossas filhas, só que deu uma rebelião lá, porque assim que a gente entrou, até então a gente não sabia que elas tinham sido espancadas… e andado nuas no pátio na frente de homens. Foram espancadas por mulheres e por homens, inclusive por aquela (nome da funcionária). Falei pra ela “Porque você não bate na minha cara?”. Na hora fiquei nervosa, comecei a me tremer e você sabe que eu passo mal. Falei “bate na minha cara mulher, porque você não bate em mim, você não é a boa, a machona?” Aí a gente começou a exigir a diretora do presídio. A diretora veio e começou a querer passar pano, falei: “você tá querendo colocar sujeira debaixo do tapete? Nem levaram no hospital as meninas, tem menina com a costela quebrada, não está andando, a outra com os dedos quebrados, outra com os ouvidos estourados, uma delas levou tapões na cara, foi xingada, humilhada, outra menina se mijou todinha de tanto apanhar.” Eles simplesmente invadiram na sexta-feira… na sexta eles invadiram às 5 horas da manhã arrastando as meninas pelo cabelo e jogando no chão da cama. Eu falei: “não vai ficar assim, tô indo atrás da delegacia aqui.” Como não conheço nada, tá eu e mais um casal, porque o restante todinho, segundo o que eles me falaram, só me deram o nome e telefone, falaram que moram muito longe e que não daria pra ir com a gente. Eu não vou deixar isso barato não. Foi a maior rebelião, a gente quase que arrumou encrenca lá dentro pra quebrar tudo. A maior rebelião dos pais. Eu falei com a diretora do presídio: “o que vocês fizeram com a minha filha não é a primeira vez. A primeira vez passou batido, só que dessa vez não. Você não vai prejudicar minha filha, por causa de você minha filha vai ficar mais três meses aqui dentro, quer dizer, você acha que as meninas vão fugir, vocês escutam comentários e pega as meninas e leva pra cacete? Algema as meninas e ainda bate nas meninas algemadas? Arranca as meninas da cama pelo cabelo? Vocês invadem o quarto delas batendo ferros nos quartos delas, xingando elas de tudo que é nome? Não vai ficar assim.” Aí a diretora pediu pra gente não ir na delegacia, que ela ia resolver. Eu falei: “você resolve do teu jeito, agora eu quero ver se você vai resolver mesmo, porque eu vou procurar a Promotoria Pública, Direitos Humanos… Eu vou pra Record, vou pro SBT, vou pra onde for, mas não vou deixar.” Aí a (nome da funcionária) simplesmente saiu da sala, foi se esconder, porque ela falou assim: “eu não bati em ninguém, eu bati em alguém?”Aí a mãe da menina levantou a mão e falou assim: “bateu sim, na cara da minha filha, que ela acabou de me contar. Minha filha entrou na terça-feira, na sexta você já deu pau nela, sendo que ela nem estava envolvida com nada, nem com ninguém, porque ela nem conhece nada aqui.”

“A diretora não falou nada. Simplesmente saiu da sala, se escondeu, porque todo mundo, todos os pais começaram a gritar lá dentro e ela viu que o negócio ia ficar feio pra ela, e quis se esconder. Quando ela tava saindo, encontrei um cara estúpido bem gigante que tinha sufocado uma das meninas, que foi ele que quebrou a costela de uma das meninas que ele tava segurando, sufocando ela. Aí eu falei: “vai querer me bater também? Você bate nas meninas que tão aqui dentro, e em mim, você vai bater também? Se prepara que eu tô indo pra delegacia.” Ele ficou me encarando sem entender nada. Falei na frente de todo mundo que tava lá, inclusive o pessoal tentando me acalmar, porque eu tava passando muito mal. Eu tava toda tremendo e fiquei fazendo respiração pra poder voltar ao normal. Eu tô revoltada, não vou deixar isso barato, nem eu, nem o pessoal que tá comigo. Não vamos deixar barato. Eu falei: “ a gente vai, nem que seja pro Estado. A gente vai atrás do direito dessas meninas”. Tem crianças lá que não tem pai e mãe. A gente não vai brigar só pelas nossas filhas, a gente tá brigando por geral, por causa dessas meninas, principalmente as que não tem pai e mãe. Eles tão massacrando mesmo, dando tapa na cara. Uma das meninas pediu pra deixarem elas irem no banheiro, porque elas tinham acabado de acordar, às 5 horas da manhã, tavam com a bexiga doendo. O funcionário falou: “não vai no banheiro porra nenhuma, vocês vão fazer xixi na roupa. Vai cagar na roupa, vai mijar na roupa, vai menstruar na roupa de vocês. Vocês não vão no banheiro”. Aí teve uma menina lá que não aguentou de tanto apanhar, com o apavoro todo, se mijou todinha, coitada.”

Algumas/alguns adolescentes indicaram que as/os funcionárias/os responsáveis pelas agressões de sexta, em relato dados às mães, são (nomes dos funcionários), em especial do plantão noturno, conhecidos por espancamentos frequentes às/aos meninas/os que estão apreendidas/os no Centro Feminino de Taipas.
Alguns familiares se encaminharam à 74ª DP Parada de Taipas, onde, por não haver nenhum/a delegado/a no local, foram redirecionados para a 72ª DP Vila Penteado. Nesta, o delegado informou que não poderia registrar o Boletim de Ocorrência, pois o encaminhamento deveria ser feito por funcionários do próprio centro de internação e este é quem deveria encaminhar as meninas/os para os exames de corpo de delito.
No dia 14 de novembro (segunda-feira), familiares se organizaram para dar visibilidade ao que ocorreu e vem ocorrendo nesta unidade, recorrendo inclusive à grande imprensa, sem, contudo, obter resultado com tal contato.
Esta não é a primeira denúncia de tortura em unidades da Fundação CASA, inclusive nesta de Taipas.
Em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/unidade-casa-de-taipas), órgão integrante da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio de uma equipe multidisciplinar, esteve presente na supracitada unidade e publicou em outubro do referido ano um relatório sobre o que presenciou durante as visitas e o que foi apreciado a partir dos relatos das/dos adolescentes, que tiveram suas identidades preservadas.
A unidade foi escolhida a partir da análise de critérios pré-estabelecidos, entre eles: “(…) recorte de gênero, fatos e situações noticiadas que indicavam risco de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (pp.3, grifo nosso).
De acordo com o relatório, “(…) as adolescentes então passaram a falar sobre o cotidiano da unidade, abordando várias situações de dúvidas, incômodos e situações que podem ser configuradas como de maus-tratos, tratamentos desumanos e degradantes tortura (sic)” (pp.15, grifo nosso).
Tanto nos relatos feitos atualmente pelos familiares como os que constam do relatório, algumas das situações de maus-tratos e torturas se relacionam diretamente a uma diferenciação feita entre as/os internas/os por parte das/os funcionárias/os: “Algumas adolescentes assumidamente homoafetivas são constrangidas quando cortam seus cabelos curtos. Essas adolescentes afirmaram ainda que são hostilizadas e passam a sofrer agressões mais graves, pois vários agentes passam a tratá-las como “homens” no que se refere às punições e agressões físicas” (pp. 17).
As perseguições que acontecem são formalizadas também pelas vias institucionais, por exemplo, por meio da CAD (Comissão de Avaliação Disciplinar), que produz um documento a partir de um de processo avaliativo interno e que deve ser assinada pelas/os adolescentes envolvidas/os em avaliação disciplinar decorrente de situações conflituosas, possuindo, portanto, caráter sancionatório dentro da dinâmica de gestão dos centros. De acordo com os relatos das/dos jovens repassados às suas famílias, na prática, a consequência de uma CAD para uma/um adolescente internada/o é efetivamente a extensão da medida socioeducativa de internação por mais três meses, somando-se tal indicativo ao relatório a ser enviado ao Judiciário. De acordo com uma mãe, todas/os as/os jovens do CASA Parada de Taipas irão assinar a CAD (e ter sua medida, portanto, prolongada) devido às situações ocorridas nos últimos dias.
No que toca ao uso de algemas, apesar da indicação de que só podem ser utilizadas nos traslados externos, o relatório confirma seu uso em sanções disciplinares que se configuram como ilegais – entre elas, colhemos por meio das famílias o relato da frequente “tranca”, que se dá quando a/o adolescente que descumpriu alguma ordem ou regra do centro é colocado em um espaço restrito e, sobretudo, afastada/o do convívio com o restante da população. Essas sanções disciplinares, costumeiramente chamadas de “trancas” são proibidas mesmo no contexto de privação de liberdade, sendo necessário haver comunicação com outras instâncias do Judiciário caso haja necessidade de intervenções de cunho (ainda mais) restritivo no contexto da internação, configurando-se, quando da deliberação unilateral pelo centro para contornar essas situações cotidianas, como cárcere privado.
Embora o relato a seguir pareça repetir o início do presente documento que discorre sobre o episódio de violência do dia 11.11.16, ele na verdade pontua historicamente e ajuda a traçar o modus operandi do CASA Parada de Taipas:

“As adolescentes relatam que os agentes, especialmente os masculinos, como forma de punição batem muito nelas. O procedimento se dá através da colocação de algemas nos punhos, as adolescentes são colocadas no chão e logo desferem-se socos, pontapés entre outros. As mesmas permanecem em uma sala, ora de coordenação, ora multiuso com as algemas e sem acesso ao banheiro, de acordo vários relatos muitas urinam em si mesmas já que as fazem esperar por mais de 3 horas para serem levadas ao banheiro. Ainda relatam que os agentes preferem desferir socos no peito e na barriga, locais que dificilmente geram lesões corporais perceptíveis a olho nu.”(pp.17).

Uma das mães nos relatou, nessa última semana, que os plantões noturnos em geral são os mais violentos, sendo compostos por um quadro funcional majoritariamente masculino, coordenados por agentes femininas.
Além disso, há a constante ameaça por parte da direção do centro da intervenção do Grupo de Apoio, mais conhecido como “Choquinho” no contexto da Fundação CASA. Há de se destacar que tal grupo se assemelha à tropa de choque da Polícia Militar em sua indumentária e que, para além disso, é ‘famoso’ pelas práticas de espancamentos e torturas nas unidades, justificado pelo discurso de “contenção de tumultos”.
O relatório indica ainda que as/os adolescentes “são constantemente hostilizadas com agressões verbais humilhantes, desmotivadoras, de baixo calão, ameaças de morte inclusive quando estão na presença de familiares durante as visitas sociais. Segundo as adolescentes, as mesmas se sentem desencorajadas, pois constantemente os funcionários da unidade falam que a Ouvidoria e a Corregedoria não servem para nada.” (pp.18)
É relevante ressaltar que a diretora atual do CASA Parada de Taipas é a mesma da época do levantamento feito pela Secretaria dos Direitos Humanos, tendo assumido o cargo logo após a divulgação de diversas violências anteriores na unidade. A Coordenação Pedagógica do centro também mudou logo em seguida, no início de 2016. Mesmo com todas estas mudanças no CASA Parada de Taipas, as violências não cessaram ao longo deste ano.
Há relatos da parte de familiares de que mais da metade das/dos jovens apreendidas/os em Taipas tomam algum medicamento, em um contexto de medicalização com uso de substâncias psicoativas de uso controlado, prescritos por profissionais da medicina, de modo a tornar os corpos mais dóceis e de fácil contenção pela equipe de segurança.
Além desse tipo de violência mais “sutil”, há relatos de casos de espancamento de garotas/os que manifestam outra identidade de gênero, funcionários/as que implantam ‘armas brancas’ nos pertences das/os garotas/os como motivo forjado para “legitimar” sanções e agressões, além de ações como garotas/os algemadas com frequência, aplicação da CAD por qualquer motivo, inclusive em casos relatados como o de cartas escritas sem autorização da direção, por uso de gírias na escrita, por exceder o limite de uma folha de conteúdo (estipulado pela própria unidade) e/ou por escrever carta em outro papel que não seja aquele cedido pela equipe da unidade.
Outras das dificuldades enfrentadas pelas/os adolescentes no centro são as ausências de visitas familiares, que permanecem se repetindo e constam do relatório do ano passado. Isso se deve ao aumento da internação de adolescentes nascidas com o sexo feminino: por existirem dois centros de internação feminina na região da Grande São Paulo, sendo um o de Taipas e o outro denominado Chiquinha Gonzaga, localizada na Mooca, as/os meninas/os que moram no interior de São Paulo acabam sendo encaminhadas/os para essas unidades.
“Boa parte das adolescentes são de localidades distantes da unidade. Muitas não veem as famílias desde que ingressaram na unidade. Essa distância é mais um agravante para o necessário desenrolar da medida que se pretende socioeducativa.”(pp.25)
Isso porque o Judiciário entende que aquela/e jovem que não recebe visitas de sua família encontra-se em situação de maior vulnerabilidade, já que o cumprimento de medida socioeducativa possui um caráter multidimensional, o qual determina como fundamental a presença familiar durante este processo, com base no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Assim, muitas/os jovens que residem longe da unidade e que não contam com o custeio do transporte pelo Estado (a grande maioria) para a visita familiar veem sua internação ser prolongada, potencializando ainda mais o caráter sancionatório da medida socioeducativa por um motivo que lhes escapa às mãos.
Mais do que isso, justamente por entendermos que a violência está atrelada à estrutura da medida socioeducativa – a qual se fundamenta no referencial teórico e pragmático do Estado Penal, e, portanto, punitivista, apenas ‘reformulado’ para aplicação à determinada adolescência – compreendemos também que não se trata, portanto, de um problema específico de gestão. Não obstante a isso, buscamos a responsabilização das/dos agentes do Estado responsáveis pelas torturas e agressões relatadas, entendendo que em não havendo tal situação, o Estado autoriza e legitima tais violências.
Já para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, “(…) a falta de utilização de parâmetros básicos definidos em lei para a aplicação de medidas socioeducativas faz desse, um ambiente propício ao cometimento do crime de tortura (pp.28, grifo nosso).
“(…)

Importante relatar que as adolescentes só consentiram em falar com a equipe do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura sobre os maus-tratos e de situações que podem se enquadrar no crime de tortura após ser garantido a todas que as identidades das mesmas seriam preservadas.
As situações de humilhações e agressões físicas cotidianas relatadas pelas adolescentes demonstram um ambiente inadequado para as adolescentes, ainda mais em cumprimento de medida socioeducativa de internação, onde as adolescentes são obrigadas a estar longe de suas famílias, sob a guarda de outrem.” (pp. 29)

O relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República conta ainda, em sua parte final, com uma série de recomendações ao centro de internação, de modo a garantir um mínimo de dignidade às/ aos adolescentes ali privadas/os de suas liberdades. Entre elas, podemos destacar:

“ (…)

Que a Unidade adote procedimento interno de encaminhamento de possíveis denúncias feitas por adolescentes e familiares contra as(os) funcionárias(os):

Que esse procedimento garanta:

A segurança das pessoas que realizam a denúncia;
Que as (os) funcionárias(os) não sejam as (os)responsáveis por receber as denúncias;
Que sejam afixados em todos os espaços coletivo sas normas referentes a direitos e deveres das (os) funcionários, bem como do procedimento de denúncia (pp.34);

(…)

Recomenda-se à Fundação Casa:

(…)

Que a Fundação Casa realize afastamento das servidoras e servidores acusados de prática de conduta irregular que tenha ocasionado ou possa ocasionar risco a integridade física e psicológica da adolescente em cumprimento de medida socioeducativa:

A fim de preservar a segurança da adolescente que possa ter sido vitima de servidora ou servidor esse deve ser afastado das funções que desempenha na Unidade dos fatos e de quaisquer funções que possam interferir no cumprimento da medida socioeducativa da adolescente vitima (pp.35);
(…)

Recomenda-se ao Governo do Estado de São Paulo:

(…)

Que o Governo do Estado crie uma corregedoria, autônoma e independente da Fundação Casa garantindo a isonomia nas análises e decisões dos procedimentos acompanhados referentes ao Sistema Socioeducativo;
Que o Governo do Estado de São Paulo crie uma Ouvidoria autônoma para o Sistema Estadual Socioeducativo e que essa ouvidoria seja desvinculada da Fundação Casa.
Que o Governo do Estado de São Paulo crie o Comitê e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura (pp.36).

(…)

Recomenda-se ao Ministério Público de São Paulo – MPSP

(…)

Que o MPSP verifique a elaboração e implementação do Projeto Político Pedagógico – PPP da Unidade de Parada de Taipas.
Que o MPSP requeira a Unidade mais próxima da família da adolescente em conflito com a lei para o cumprimento da medida de internação:
Caso não haja Instituição de Internação mais próxima da família que possa requerer uma medidamenos gravosa que a internação.
Que os relatórios elaborados durante as visitas às unidades da Fundação Casa sejam encaminhados para os Conselhos Municipais e Estadual de Direitos da Criança edo Adolescente (pp. 36 e 37).

(…)

Recomenda-se ao Tribunal de Justiça do Estado de SãoPaulo – TJSP

(…)

Que o TJSP requeira a Unidade mais próxima da família da adolescente em conflito com a lei para o cumprimento da medida de internação:
Caso não haja Instituição de Internação mais próxima da família que possa determinar, sempre que possível, uma medida menos gravosa que a internação.
Que os relatórios elaborados durante as visitas às unidades da Fundação Casa sejam encaminhados para os Conselhos Municipais e Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (pp. 37).

Nesta conjuntura de abusos sistemáticos e violências explícitas (e veladas) presentes na lida diária da Fundação CASA como um todo, nos posicionamos ao lado das famílias e das/dos adolescentes que sofrem diretamente o peso da violência do Estado em suas instituições punitivas. Frente a isso, afirmamos a importância do protagonismo das famílias, que são encarceradas juntamente às suas filhas e filhos, passando por humilhações nas revistas vexatórias, ameaças e silenciamentos por parte das equipes dos centros, além do compulsório distanciamento afetivo decorrente da privação de liberdade.
Algumas das mães disseram que suas filhas e filhos relatam há tempos violências explícitas que ocorrem esporadicamente, embora “a casa esteja, na maior parte do tempo, tranquila (relato de adolescente à sua mãe)”. Com isso, podemos perceber que a leitura sobre o “sistema opressão” – quando até as poucas liberdades individuais de comportamento no contexto de cárcere são sequestradas e redefinidas pela administração do centro – tende a compreender que não são em si mesmas uma enorme violência as mãos juntas atrás do corpo, as cabeças abaixadas na maior parte do tempo, a obrigatoriedade das/dos adolescentes permanecerem em ‘formação’ (disposição dos corpos semelhante a aplicada aos soldados pelo Exército) durante o dia ou, de acordo com o plantão, a de ficarem nos dormitórios sem acesso aos demais espaços dos centros e ao convívio, entre outras condutas impostas pelo corpo de segurança (e verificadas no CASA Parada de Taipas). Sabemos que o são, de forma apenas mais diluída – já que tanto se confundem com o que se espera do cárcere em seu projeto de anulação do/a outro/outra.
Diante de todo o exposto no presente documento, estamos trazendo a público mais uma denúncia de recorrentes torturas em unidade da Fundação CASA, entendendo que não se trata especificamente do CASA Feminino Parada de Taipas, mas que são práticas institucionais abrangendo, portanto, diversas unidades. Além disso, considerando o compromisso deste coletivo autônomo na discussão acerca das medidas socioeducativas no Estado de São Paulo, estamos dispostos a formar uma rede de contatos de maneira a evitar que essas famílias, bem como suas filhas e filhos, sejam expostas a perseguições e retaliações institucionais devido à composição destas denúncias, e nos colocamos à disposição de todos os outros familiares que tiveram suas filhas e filhos torturados por agentes do Estado.

16 de novembro de 2016.

Coletivo Autônomo Herzer