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Convocatória – Jornada pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco

A LUTA PELO FIM DO ENCARCERAMENTO É INTERNACIONAL!

O Coletivo Herzer traduziu a convocatória da “Jornada pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco”, uma jornada de lutas com diversas atividades e mobilizações que ocorreu no México, do dia 24 de agosto ao 30 de setembro de 2016.
Tlanixco é uma comunidade indígena, localizada próxima à Cidade do México, que foi vítima da criminalização por parte do Estado, ao ter seis membros/as da comunidade presos/as há mais de 10 anos, pelo simples fato de lutarem pela defesa de sua água. Tlanixco pede apoio internacional à todos/as que se solidarizem com sua causa e queiram lutar também pela libertação dos/as presos/as.

 

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Convocatória – Jornada pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco

Ao Congresso Nacional Indígena

Ao Comitê Clandestino Revolucionário Indígena – Comandância Geral do EZLN

À Sexta Nacional e Internacional

À Red contra la Represión y por la Solidaridad

Com especial dor e carinho, às comunidades, famílias e amigos de presas e presos por defender a vida

Às comunidades, tribos, bairros e nações de México e do Mundo

Às companheiras e companheiros que lutam no Mundo

Às companheiras e companheiros dos meios de comunicação livres, autônomos, alternativos ou como se denominam

Recordando que esse nosso México dia a dia continua sendo devastado pelas políticas ferozes do grande capital, sistema encarnado como uma hidra pelas grandes empresas multinacionais que buscam os nosso recursos, enquanto os maus governos locais, estatais e federais continuam os entregando e submetendo com terror, morte e cárcere à quem ainda defende nossas terras e territórios, nossa água, nossa vida.

Não esquecemos que nas guerras de conquista de 1492, de independência em 1810 e de revolução em 1910, as e os indígenas pariram essa nossa pátria. Que em troca de nosso sangue derramado fomos negadas e negados juridicamente, até o levantamento de EZLN em 1994, quando uma nova luz de esperança se levantou, se materializando nos acordos de San Andrés. Também não esquecemos que essas esperanças foram traídas pelos três partidos políticos no poder, PRI, PAN e PRD no ano de 2001 e agora os governos, através de sua política institucional indigenista nos dominam, nos dividem e pretendem nos exterminar negociando nossos direitos de migalha em migalha.

Nós homens, mulheres, crianças e anciãos da comunidade indígena Nahua de San Pedro Tlanixco, compartilhamos nossa palavra e damos a conhecer nossas próximas ações pela liberdade de nossas presas e nossos presos. Iniciamos a Jornada pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco, do dia 24 de agosto até dia 30 de setembro de 2016. Chamamos nossos irmãos e irmãs da sexta nacional e internacional, para que em seus tempos, modos e geografias se somem a essa campanha com as ações que considerem pertinentes.

O Movimento pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco, seguimos lutando pela liberdade de nossas e nossos seis guardiões e guardiãs do território, que estão nas garras do Estado. Seu único delito cometido e comprovado, que reconhecemos plenamente; foi defender a água da nossa comunidade.

Depois de mais de 10 anos de larga e dolorosa espera, no passado 28 de maio se encerrou o processo penal das companheiras e dos companheiros: Lorenzo Sánchez Berriozábal, Marco Antonio Pérez González e Dominga González Martínez, nas mãos do juiz criminal de primeira instância do distrito judicial de Toluca, México Maximiliano Vázquez Castañeda. Denunciamos a falta de resposta e atenção por parte das autoridades responsáveis, uma vez que se tem violado continuamente os direitos processuais constitucionais das companheiras e dos companheiros, postergando o ditar da sentença e portanto submetendo-os a um encarceramento injusto.

Já temos condenados injustamente nossos companheiros Teófilo Pérez González a 50 anos de prisão, Pedro Sanchez Berriozábal a 52 de anos de prisão e Rómulo Arias MIreles a 54 anos de prisão. Nossos 6 defensores da água e da vida tem sofrido na própria carne a mais vil da injustiças, estando há 13 anos privados de liberdade, por defender a vida, por defender a água.

O que nem o juiz nem nenhuma outra autoridade estatal e federal se põe a pensar, é que nesses anos em que eles tem estado na prisão, suas famílias tem vivido cada dia e cada noite não apenas com a dor e a angústia de não tê-los. As mães tem que tomar conta das crianças de seus filhos, os filhos tem vivido a falta de um pai ou uma mãe, e estão muito ressentidos. Sem falar em tudo o que temos de viver para ver aos nossos familiares, estarmos enfileirados de duas a três horas para entrar na penitenciária, levar roupas especiais para entrar, aguentando as restrições de comida e o tratamento indigno que recebemos dos funcionários.

Os pais de Pedro, a mãe de Marco Antonio, a mãe de Dominga, o pai de Rómulo faleceram sem poder voltar a ver seus filhos. E para a suposta Justiça de nosso país isso não vale, não conta, como se as pessoas não sentissem, como se nem fossemos pessoas, como se fossemos uma coisa, um objeto que não sente nada.

Essa injustiça tem que parar, porque nossos companheiros e nossas companheiras não cometeram nenhum delito e viveram tantos anos de prisão injustamente. Exigimos ao Governo Federal, do Estado e ao juiz,  nas mãos de quem está a possibilidade de resolver essa sentença autoritária, pois é o mínimo que merecem nossos companheiros.

É através desse meio então que convocamos a todos os corações dignos e honestos do México e do mundo, para que se somem e nos apoiem a essa digna exigência.

Para tanto, estaremos realizando as seguintes atividades:

Jornada pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco.

* 24 de Agosto. Início da Jornada pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco. Foro José Revueltas. Do lado do Auditório Che Guevara. 5pm. Ciudad Universitaria. UNAM.

* 7 de Setembro. 27 anos de luta em defesa da água e da vida de San Pedro Tlanixco, 1989 – 2016. Punto Gozadera. Plaza San Juan # 15. Centro. Delegación Cuauhtémoc. Metro Salto del Agua. 6pm.

* 21 de Setembro. 13 anos de prisão e injustiça para os defensores da água a da vida de San Pedro Tlanixco, 2003 -2016. UNIOS. Doctor Carmona # 32. Colonia Doctores. Ciudad de México. D.F. Metro Cuauhtémoc. 7 PM.

* 25 de Setembro. Festival cultural pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco. Começa às 10 am. Na comunidade indígena Nahua de San Pedro Tlanixco. Saindo da central de Observatório, pegar um ônibus que vá a Tenango del Valle, comprando a passagem no guichê da Estrella de Oro. Pedir para descer na última parada de Tenango. Perguntar pelas combis que vão à Tlanixco (saem a uma quadra de onde para o ônibus). Descer onde no ponto final. Buscar a rua “Reforma” e desce-la (tomar a esquerda) até o final.

* 30 de Setembro. Reunião pela liberdade dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco. Nos juzgados de Santiaguito. Almoloya de Juárez. Estado de México. 12 am.

* Pronunciamento de coletivos, indivíduos e organizações sociais nacionais e internacionais pela liberdade das e dos defensores da água e da vida em San Pedro Tlanixco. Durante as atividades estaremos recolhendo assinaturas que serão anexadas ao pronunciamento, o qual será entregue ao Juiz Maximiliano Vázquez Castañeda. Para nossos irmãos e nossas irmãs da Sexta Nacional e Internacional, deixamos adjuntos os dados do juizado, assim como das instancias estatais e federais às quais se podem dirigir exigências através de suas sedes ou casas de representação do Estado de México.

Instâncias às quais se pode mandar pronunciamentos pela liberdade das e dos defensores da água e da vida de San Pedro Tlanixco:

1.-  Juiz primeiro penal de primeira instancia do distrito judicial de Toluca, México, Maximiliano Vázquez Castañeda. Com residencia em Santiaguito, Almoloya de Juárez, Estado de México.

2.- Ao Presidente da República Mexicana, Enrique Peña Nieto. Residencia Oficial de los Pinos Casa Miguel Alemán Col. San Miguel Chapultepec, C.P. 11850, Ciudad de México

3.- Ao Governador do Estado de México, Eruviel Ávila Camacho. Calle Jesús Carranza Sn, Residencial Colón, 50120 Toluca de Lerdo, México.

Pela liberdade dos presos políticos da CNI e da Sexta!

Pela reconstituição integral de nossos povos! Nunca mais um México sem nós!

La Sexta ¡Va!

Movimento pela liberdade dos defensores da água e da vida de São Pedro Tlanixco

Congresso Nacional Indígena

Red contra la Represión y por la Solidaridad

(Tradução feita pelo Coletivo Autônomo Herzer)

Texto original em espanhol aqui

Para quem se interessar, vejam a página do facebook do movimento e o seu site.

 

 

Familiares de jovens presas/os na Fundação CASA

Fundação CASA Jatobá – Complexo da Raposo Tavares
Fevereiro de 2017

Fundação CASA Feminina Parada de Taipas
Novembro de 2016

 

 

2016

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Construídos em prisões juvenis

Em visitas do Coletivo Autônomo Herzer a prisões juvenis do Estado de São Paulo, houve propostas de construção coletiva de zines. O link abaixo é de um pdf que reúne algumas destas produções.

Prisões juvenis 2015

 

Podcast – CJcast

Discussão entre integrantes do Herzer e do CJ Eucaliptos (Jd. Pery) sobre preconceito, tecnologia, comidas e música. Foi gravado no CJ Eucaliptos no dia 15 de setembro de 2016.

Trilha Sonora:
Racionais Mcs – A vida é um desafio
Calvin Harris – My Way
Tarantella
Djavan – Samurai
50 Cent – No Romeo No Juliet (ft. Chris Brown)

 

Podcast – Alô Juventude!

Alô Juventude!

Podcast gravado no dia 15 de setembro de 2016 no CJ Eucaliptos, Jd Pery, na Zona Norte da cidade de São Paulo. Integrantes do Herzer e do CJ falam sobre cultura, lazer, infra estrutura e segurança na quebrada.

Trilha sonora
Skank: é uma partida de futebol
Mc Daleste: O gigante Acordou
Mc Cidinho e Doca – Rap da Felicidade

 

 

Podcast – Ato “Da Escravidão ao Encarceramento”

Podcast gravado pelo Herzer no Ato “Da Escravidão ao Encarceramento: A carne mais sofrida é a carne negra”, no dia 11 de junho de 2016 no Parque da Juventude, Carandiru, Zona Norte da cidade de São Paulo. Este podcast reuniu depoimentos de pessoas, movimentos e coletivos que compareceram neste ato

APÓS REPERCUSSÃO DE DENÚNCIA, FUNDAÇÃO CASA TENTA ACOBERTAR TORTURA NA UNIDADE DE TAIPAS

Após a repercussão das notícias que visibilizaram as agressões e torturas que ocorreram no dia 11/11/2016 (sexta-feira) cometidas contra as/os meninas/os que estão presas/os no Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) Feminino Parada de Taipas, a Fundação CASA passou a atuar no sentido de acobertar tais fatos de diferentes maneiras, como em resposta formal à Ponte Jornalismo na matéria publicada no dia 16/11, bem como na atuação dos/as funcionários/as da unidade durante a visita familiar realizada no último sábado, dia 19/11/2016.

Como noticiou a Ponte Jornalismo e outros veículos durante a mesma semana, há relatos de que “as adolescentes foram arrastadas para fora das acomodações pelos cabelos e por seus uniformes e aglomeradas, nuas, diante de monitores e seguranças homens e mulheres. (…) foram agredidas por sete pessoas (quatro mulheres e três homens) com chutes, tapas, socos e ofensas verbais. Entre os ferimentos há relatos de costelas quebradas, já que não conseguiam se mexer de tanta dor, além de ouvidos machucados, com hematomas, inclusive com suspeita de tímpano lesado, além de dedos quebrados[1]. Ao ser procurada pela Ponte Jornalismo e pela Revista Brasileiros, a assessoria de imprensa da Fundação Casa negou as agressões. Disse ainda que a unidade de Taipas é a única a ter piscina, o que, além de ser um argumento que não implica na garantia dos direitos das/dos adolescentes internadas/os (esta deveria ser assegurada pela gestão e funcionários da unidade), configura-se como mentira, uma vez que a piscina está desativada há um longo tempo, conforme relatado por familiares que realizam visita na unidade. Ademais, a assessoria informou que as enfermeiras não constataram nenhuma marca de violência. A Revista Brasileiros pediu por relatórios que comprovassem o atendimento médico, mas a assessoria informou que “como não houve agressão, nenhum documento sobre o caso foi feito”[2].

Relacionamos abaixo as respostas na íntegra:

“Em resposta à reportagem, a assessoria de imprensa da Fundação Casa negou qualquer tipo de agressão. A Fundação disse ter consultado os diretores da unidade e os direitos regionais sobre as reclamações, além de ter procurado a segurança. Todos teriam negado quaisquer situações fora do normal na sexta-feira”.  Ponte Jornalismo – 16 de novembro de 2016

Brasileiros entrou em contato com a assessoria da Fundação Casa, que negou as agressões. Segundo eles, ocorreu uma revista no período da tarde do último dia 11, depois de funcionários ouvirem comentários de possibilidade de fuga de algumas internas, e que algumas meninas ficaram agitadas diante da situação, mas nenhuma agressão foi cometida e a ação foi prevenção a uma futura fuga. A assessoria informou ainda que enfermeiras da Fundação Casa examinaram as internas após as denúncias e nada foi constatado. A reportagem da Brasileiros pediu encaminhamento de nota sobre o caso e também relatórios médicos que comprovassem o atendimento das meninas, mas, segundo a assessoria, como não houve agressão, nenhum documento sobre o caso foi feito”. Brasileiros – 17 de novembro de 2016.

 

Cabe ainda ressaltar que, curiosa e estrategicamente, na última quarta-feira, 16/11, a diretora responsável pelo CASA Taipas saiu de férias — no mesmo dia em que a Ponte Jornalismo publicou a denúncia.

Porém, as vias midiáticas não foram as únicas a serem acionadas pelas famílias para denunciar a tortura acobertada pelo CASA Taipas. Nos dias 16 e 17 de novembro (quarta e quinta feira) membras deste coletivo foram junto com alguns familiares a diferentes instâncias institucionais e de defesa da criança e da/o adolescente formalizar as denúncias.

Abaixo segue um breve relato sobre os locais e encaminhamentos acionados:

– Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP)

Denúncia efetivada junto à Regional Infância e Juventude, localizada na Rua Piratininga, nº 85, Brás, São Paulo/SP. A DPESP é responsável por acompanhar todos os processos de apuração e execução dos/as adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa na grande São Paulo e, também, possui como atribuição a fiscalização dos centros de internação  da Fundação CASA. A defensora responsável pelo atendimento no plantão da instituição coletou a denúncia e informou que iria repassá-la à defensora responsável pela fiscalização do CASA Feminino Parada de Taipas. Ao que nos consta, em casos de tortura, a DPESP tem como encaminhamento o acionamento do Ministério Público, a realização de visita institucional e o acionamento da juíza corregedora da Fundação CASA para ciência dos fatos e tomada de providências, dentre elas, a solicitação da oitiva das/dos adolescentes envolvidas/os em juízo, ou seja, a escuta das vítimas de tortura frente ao juíz e ao promotor, objetivando o relato dos fatos.

– Ministério Público (MP)

Denúncia foi efetivada por via do Departamento de Execuções da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital, localizado na Rua Piratininga, nº 105, Brás, São Paulo/SP. No local, os promotores registraram a denúncia e relataram alguns procedimentos que podem ser realizados pelo MP a partir de suas atribuições como, por exemplo, a possibilidade de abrir inquérito policial por crime de tortura, solicitação de exame de corpo de delito e a abertura de processos verificatórios para apuração dos fatos e visitas institucionais.

– Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP)

Denúncia foi efetivada na quinta feira, 17.11, objetivando o acompanhamento mais próximo junto ao caso e, também, a possibilidade de encaminhar às outras organizações da área de direitos humanos.

– Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC)

Denúncia foi efetivada, e fomos informados/as sobre a possibilidade de acionamento direto do secretário da pasta, pleiteando uma reunião junto ao secretário de Justiça para ponderar quanto às torturas em unidades da Fundação CASA, em especial, o CASA Feminino Parada de Taipas. Nos informaram que os possíveis encaminhamentos eram: realização de visita institucional, acionamento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CMDCA-SP), entre outros caminhos possíveis a serem verificados.

– Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (CONDEPE-SP)

Denúncia efetivada, e, segundo informações repassadas, seria encaminhada ao conselheiro responsável pela área da infância, para que este faça as intervenções possíveis.

Após a formalização das denúncias nestas diversas instâncias, a unidade de Taipas recebeu, no dia 18/11, a visita da defensora pública Fernanda Balera, da promotora de justiça da Infância e da Juventude da Capital Paula Marques e de três conselheiros tutelares, que estiveram no local a pedido do CONDEPE-SP. O CONDEPE-SP encaminhou as denúncias para a presidenta da Fundação CASA, Berenice Gianella. Já a defensora Fernanda e a promotora Paula conversaram com diversas meninas e meninos, e todas/os confirmaram a ocorrência da sessão de tortura no dia 11/11. Segundo Balera e Marques, não havia mais hematomas à mostra, o que prejudica a credibilidade do caso perante a juíza corregedora.

É essencial relatar aqui alguns procedimentos comuns de funcionários de unidades da Fundação CASA após a realização de agressões físicas: fazer as vítimas passarem por banhos de água gelada, aplicação de pomadas e o conhecimento de locais estratégicos para agredir; tudo para que não haja hematomas. A defensora Balera e jovens que já passaram por unidades da Fundação afirmaram que tais práticas são muito comuns. Além disso, é importante ressaltar que tais visitas das instituições foram realizadas uma semana após a tortura, possibilitando que diversos sinais tenham sumido no decorrer deste tempo.

A promotora Paula Marques afirmou que irá encaminhar o caso entre os dias 21 e 22 de novembro, e que entre as possíveis medidas estariam: acionar a Juíza Corregedora, abrir um inquérito policial e instaurar um processo verificatório através do MP, que tem a atribuição de fiscalizar as unidades de internação. Já a defensora Fernanda Balera irá solicitar uma oitiva das/dos adolescentes, além de levantar elementos para mandar para a Juíza Corregedora e buscará acionar organizações internacionais para que divulguem o caso. Porém, a própria defensora afirmou que obter resultados favoráveis às meninas e meninos já é em si muito difícil. Sendo um caso em que não foram encontrados hematomas, se torna algo mais complicado ainda.

Isso deixa bem claro o descaso que ocorre com a vida dessas/es jovens, e a não responsabilização dos/as torturadores/as pelo ocorrido. Seria então necessário que as vítimas sofressem espancamentos de uma gravidade que após sete dias, e diversos procedimentos para ocultá-los, permanecessem extremamente visíveis para que então talvez algo fosse feito.

Em continuidade à nossa mobilização frente ao ocorrido, temos acompanhado as condições em que as/os meninas/os do CASA Taipas se encontram após as torturas. Ao realizarmos um levantamento de relatos junto aos familiares que visitaram o CASA Taipas no dia 19/11 (sábado), consideramos relevante tornar público que funcionários da unidade têm feito uma sequência de ameaças às/aos adolescentes ali internadas/os, bem como aos seus familiares. Há diversos relatos de que a situação não melhorou, considerando que as/os adolescentes permanecem silenciadas/os dentro da unidade e sem o devido atendimento médico necessário após as agressões. Os/as familiares revelam que as meninas e meninos estão sendo ameaçadas/os por funcionários/as caso falem algo sobre as condições nas quais estão sendo mantidas/os:

 

“[minha filha]Disse que tem uma tal de (nome da funcionária), que ainda tá perturbando as meninas. Ela disse que a tendência é piorar pro lado das meninas lá dentro, da parte dela.”

“Inclusive essa (nome da funcionária) aí, agora que eu to lembrando, as meninas foram reclamar que eles tavam batendo nelas nesse dia aí da sexta-feira, essa tal de (nome da funcionária) aí falou que ‘foi pouco, devia ter sido mais’, falou pras meninas”

 

Além disso, as meninas e meninos estão isoladas/os do convívio com as/os demais adolescentes, impedidas/os de frequentar os espaços comuns do centro de internação, de modo que são conduzidas/os da aula do ensino formal (obrigatório) para a “tranca”, sanção disciplinar comumente utilizada na Fundação CASA e citada em nosso primeiro documento[3] para impedir o convívio e a circulação das/dos adolescentes.

Ela falou que ficou 5 dias presa dentro do quarto, que não saíram pra lugar nenhum, que não deixavam ela sair, nem pra ir no banheiro. Inclusive ela falou que teve uma menina que fez as necessidades na roupa, porque eles não deixaram sair”

“Elas não tão, na quadra não vai, essa semana elas não foram nenhum dia e tão ficando no quarto mesmo, no módulo delas, o dia inteiro. Vai para aula, come, janta…”

“E outra coisa também, sobrancelhas não fizeram, unha, cabelo, que tem toda semana, toda a sexta-feira; essa semana não teve. Tem dois módulos lá que estão com o chuveiro gelado” 

 

Este último relato confirma a prática revelada neste texto, de dar banhos gelados  para que os hematomas saiam rapidamente. Ou seja, não foram privadas/os apenas do atendimento médico para as lesões, como também receberam punições extras, como a tranca, após a sessão de tortura, e o impedimento da realização de outras atividades que fazem parte do cotidiano das/os adolescentes na unidade. É importante ressaltar também que a dinâmica da visita na unidade foi modificada. Os/as familiares foram orientados/as a ficar em salas separadas com as/os adolescentes que foram visitar, situação que os/as impediu de ter acesso as/aos meninas/os que não recebem visita e que, de acordo com relatos anteriores, foram as/os mais agredidas/os:

 

 “As meninas [que não recebem visita] hoje a gente não viu porque a gente ficou numa sala separada. Então a gente não teve como ver elas. Geralmente elas ficam na sala perto lá da gente, mesmo onde a gente tem visita, a gente passa, a gente vê elas, a gente vai lá, cumprimenta, abraça, elas vem, conversam com a gente, já hoje não. Hoje ficou todo mundo esparramado. A gente não viu ninguém, só quem tava ali na visita mesmo. Só quem recebeu visita”.

 

Isto revela a tal diferença em relação a dinâmica de visitas praticada anteriormente à denúncia de tortura, quando as visitas tinham contato com outras meninas e meninos no CASA. Ao questionarem sobre as demais adolescentes, receberam como resposta dos/as funcionários que “se preocupassem apenas com a/o própria filha/o, caso contrário até mesmo essas visitas seriam impedidas”.

As falas dos/as familiares expõem ainda diferentes tipos de violações, como a dificuldade de acesso à unidade para qual suas filhas e filhos foram encaminhados/as, a medicalização excessiva e prolongação das medidas. Relata uma mãe:

“Mas, assim, o problema é as outras meninas, que mora longe, tem menina de Minas [Gerais], tem menina aí que eu acho que nunca teve visita. Por causa da distância! Porque às vezes a mãe tem um monte de filho, não tem condições de vir. E custa, lógico que custa. Cada vez que eu venho aqui de Limeira aqui, que é muito mais perto, eu gasto R$150,00. Eu saio sete horas da manhã, chego aqui uma hora da tarde, às vezes chego vinte pra uma. Chego em casa dez horas da noite. Isso se não tiver trânsito na Marginal”.

A questão da alta medicalização praticada pela unidade foi apontada por familiares e pela defensora pública Fernanda Balera. A utilização de químicos para contenção das/os internas/os é uma prática comum no CASA Taipas.

Já sobre a duração das medidas, de acordo com relatos de alguns familiares, o tempo de internação em Taipas tem sido de um ano e meio a dois anos, sempre prolongado a cada assinatura de novo CAD (conforme falamos no nosso primeiro documento, acima citado), na contramão do que estabelece o SINASE acerca da “brevidade” da medida de internação. Além das pessoas presas no CASA Taipas serem torturadas com frequência e em grande parte não receberem visita, também passam um enorme tempo de sua juventude sequestradas/os naquele calabouço.

Gostaríamos de ressaltar que o coletivo notou que alguns comentários referentes à matéria publicada pela Ponte ponderavam e chegaram mesmo a questionar a veracidade do conteúdo da notícia. O fato dos relatos de torturas partirem das mães das/dos adolescentes de alguma maneira foi encarado com certo descrédito, inclusive por parte de movimentos, pessoas e grupos de esquerda. O sofrimento das/os adolescentes presas/os na Fundação CASA é invisibilizado por todos os lados. Muitas vezes só lhes resta a sua palavra, e esta é vista como insuficiente. Uma mãe expondo a denúncia de tortura recebida por sua filha é motivo de desconfiança, e a consequência é o banho de sangue que temos em todas as prisões, diariamente, legitimadas por um discurso simplista e apoiado num punitivismo fomentado inclusive pela esquerda.

Por isso, reiteramos nossa posição sobre as medida socioeducativas, entendendo que estas propõem a judicialização das vidas jovens e a criminalização de uma certa adolescência, sobretudo aquela periférica, negra e pobre. Não estamos, portanto, pleiteando a reforma da Fundação CASA ou tampouco o cumprimento dessa justiça própria de nosso Estado Penal. Estamos alertando sobre como se operacionaliza, cotidiana e universalmente, a opressão sobre a juventude presa pelo Estado. Estamos demarcando a condição de violência estrutural que a prisão oferece – seja nos dias mais “atípicos” ou não – debaixo da fachada da ressocialização, projeto artificialmente inculcado no imaginário coletivo de modo a apaziguar as consciências e nos tornar menos responsáveis pelas vidas que vão sendo paulatinamente massacradas em lugares como aquele. Estamos anunciando que um projeto de sociedade que se queira libertária passa necessariamente pela corrosão de todas as prisões, para quem quer que seja.

Pedir punição ou entender o contexto brasileiro como cenário de impunidade é reafirmar que a prisão serve pra selecionar, de fato, pessoas indesejáveis e lhes aplicar o que lhes cabe: a vingança. Instituições totais, como as prisões, são opacas: tem muros, e esses servem pra que a leitura das realidades, das vidas e das diferentes histórias ali dentro sequestradas, seja dificultada.

Nossa leitura, apoiada em grandes libertárias/os, nas meninas e meninos vítimas das violências do Estado e em suas famílias é que a prisão é uma morte lenta, dolorosa e amplamente autorizada.  

 

FUNDAÇÃO CASA É CASA DE TORTURA.

24 de novembro de 2016

Coletivo Autônomo Herzer

 

[1] http://ponte.org/meninas-espancadas/

[2] http://brasileiros.com.br/2016/11/fundacao-casa-maes-acusam-maus-tratos-em-unidade-de-sp/

[3]  https://coletivoherzer.milharal.org/2016/11/16/tortura-fundacao-casa-taipas/

Novembro de 2016 – Tortura continua na Fundação CASA de Taipas e familiares se mobilizam

Na última sexta-feira (11.11.16) as meninas e meninos que cumprem medida socioeducativa de internação no Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) Feminino Parada de Taipas iniciaram o seu dia sob tortura física e psicológica, segundo relatos feitos às suas famílias no último sábado (12.11), quando se realizou a visita familiar. É importante pontuar que a Fundação CASA Parada de Taipas é uma unidade feminina em que há também a presença de meninos transexuais (que se identificam com o gênero masculino).
Os/as funcionários/as de tal unidade iniciaram a ‘intervenção’ acordando as meninas e meninos ao som de barras de ferro, batendo-as nas portas de seus dormitórios, as quais também são de ferro, puxando-as/os pelos cabelos e pelas roupas e jogando-as/os no chão, iniciando assim uma sessão de espancamento. Os/as funcionários/as aglomeraram as meninas e meninos nuas/ nus, fazendo-as/os sentar pelo chão e as/os agredindo fisicamente com chutes, tapas, socos, além de ofensas verbais.

 

Ilustração feita por Sérgio Rossi

Ilustração feita por Sérgio Rossi

Segundo as famílias, esta “punição” se deu em decorrência de boatos que chegaram ao conhecimento da direção de que haveria intenção de fuga devido à proximidade do final de ano – justamente pela comoção que esse fato gera junto às/aos adolescentes internadas/os nos centros de internação como um todo – o que teria sido a justificativa encontrada pelos funcionários e funcionárias do centro para fazer a ‘intervenção’ ocorrida no dia 11.11.16. Ainda de acordo com os detalhes dados pelas/pelos jovens ali internadas/os aos seus familiares, na verdade teria ocorrido apenas um desabafo coletivo sobre a questão da tristeza motivada por essa época do ano dada a privação de liberdade, o qual foi mal interpretado pelas/os funcionárias/os do centro – o “sistema-opressão”, sobre o qual se sustenta atualmente a gestão do CASA e cujo significado efetivo explicaremos no decorrer do texto, não permite às/aos adolescentes esse tipo de fala, resultando, assim, numa imediata sanção por parte dos/das funcionários/as.
Seguem transcrições de relatos colhidos de alguns familiares das/dos adolescentes:

“A gente conseguiu ver as nossas filhas, só que deu uma rebelião lá, porque assim que a gente entrou, até então a gente não sabia que elas tinham sido espancadas… e andado nuas no pátio na frente de homens. Foram espancadas por mulheres e por homens, inclusive por aquela (nome da funcionária). Falei pra ela “Porque você não bate na minha cara?”. Na hora fiquei nervosa, comecei a me tremer e você sabe que eu passo mal. Falei “bate na minha cara mulher, porque você não bate em mim, você não é a boa, a machona?” Aí a gente começou a exigir a diretora do presídio. A diretora veio e começou a querer passar pano, falei: “você tá querendo colocar sujeira debaixo do tapete? Nem levaram no hospital as meninas, tem menina com a costela quebrada, não está andando, a outra com os dedos quebrados, outra com os ouvidos estourados, uma delas levou tapões na cara, foi xingada, humilhada, outra menina se mijou todinha de tanto apanhar.” Eles simplesmente invadiram na sexta-feira… na sexta eles invadiram às 5 horas da manhã arrastando as meninas pelo cabelo e jogando no chão da cama. Eu falei: “não vai ficar assim, tô indo atrás da delegacia aqui.” Como não conheço nada, tá eu e mais um casal, porque o restante todinho, segundo o que eles me falaram, só me deram o nome e telefone, falaram que moram muito longe e que não daria pra ir com a gente. Eu não vou deixar isso barato não. Foi a maior rebelião, a gente quase que arrumou encrenca lá dentro pra quebrar tudo. A maior rebelião dos pais. Eu falei com a diretora do presídio: “o que vocês fizeram com a minha filha não é a primeira vez. A primeira vez passou batido, só que dessa vez não. Você não vai prejudicar minha filha, por causa de você minha filha vai ficar mais três meses aqui dentro, quer dizer, você acha que as meninas vão fugir, vocês escutam comentários e pega as meninas e leva pra cacete? Algema as meninas e ainda bate nas meninas algemadas? Arranca as meninas da cama pelo cabelo? Vocês invadem o quarto delas batendo ferros nos quartos delas, xingando elas de tudo que é nome? Não vai ficar assim.” Aí a diretora pediu pra gente não ir na delegacia, que ela ia resolver. Eu falei: “você resolve do teu jeito, agora eu quero ver se você vai resolver mesmo, porque eu vou procurar a Promotoria Pública, Direitos Humanos… Eu vou pra Record, vou pro SBT, vou pra onde for, mas não vou deixar.” Aí a (nome da funcionária) simplesmente saiu da sala, foi se esconder, porque ela falou assim: “eu não bati em ninguém, eu bati em alguém?”Aí a mãe da menina levantou a mão e falou assim: “bateu sim, na cara da minha filha, que ela acabou de me contar. Minha filha entrou na terça-feira, na sexta você já deu pau nela, sendo que ela nem estava envolvida com nada, nem com ninguém, porque ela nem conhece nada aqui.”

“A diretora não falou nada. Simplesmente saiu da sala, se escondeu, porque todo mundo, todos os pais começaram a gritar lá dentro e ela viu que o negócio ia ficar feio pra ela, e quis se esconder. Quando ela tava saindo, encontrei um cara estúpido bem gigante que tinha sufocado uma das meninas, que foi ele que quebrou a costela de uma das meninas que ele tava segurando, sufocando ela. Aí eu falei: “vai querer me bater também? Você bate nas meninas que tão aqui dentro, e em mim, você vai bater também? Se prepara que eu tô indo pra delegacia.” Ele ficou me encarando sem entender nada. Falei na frente de todo mundo que tava lá, inclusive o pessoal tentando me acalmar, porque eu tava passando muito mal. Eu tava toda tremendo e fiquei fazendo respiração pra poder voltar ao normal. Eu tô revoltada, não vou deixar isso barato, nem eu, nem o pessoal que tá comigo. Não vamos deixar barato. Eu falei: “ a gente vai, nem que seja pro Estado. A gente vai atrás do direito dessas meninas”. Tem crianças lá que não tem pai e mãe. A gente não vai brigar só pelas nossas filhas, a gente tá brigando por geral, por causa dessas meninas, principalmente as que não tem pai e mãe. Eles tão massacrando mesmo, dando tapa na cara. Uma das meninas pediu pra deixarem elas irem no banheiro, porque elas tinham acabado de acordar, às 5 horas da manhã, tavam com a bexiga doendo. O funcionário falou: “não vai no banheiro porra nenhuma, vocês vão fazer xixi na roupa. Vai cagar na roupa, vai mijar na roupa, vai menstruar na roupa de vocês. Vocês não vão no banheiro”. Aí teve uma menina lá que não aguentou de tanto apanhar, com o apavoro todo, se mijou todinha, coitada.”

Algumas/alguns adolescentes indicaram que as/os funcionárias/os responsáveis pelas agressões de sexta, em relato dados às mães, são (nomes dos funcionários), em especial do plantão noturno, conhecidos por espancamentos frequentes às/aos meninas/os que estão apreendidas/os no Centro Feminino de Taipas.
Alguns familiares se encaminharam à 74ª DP Parada de Taipas, onde, por não haver nenhum/a delegado/a no local, foram redirecionados para a 72ª DP Vila Penteado. Nesta, o delegado informou que não poderia registrar o Boletim de Ocorrência, pois o encaminhamento deveria ser feito por funcionários do próprio centro de internação e este é quem deveria encaminhar as meninas/os para os exames de corpo de delito.
No dia 14 de novembro (segunda-feira), familiares se organizaram para dar visibilidade ao que ocorreu e vem ocorrendo nesta unidade, recorrendo inclusive à grande imprensa, sem, contudo, obter resultado com tal contato.
Esta não é a primeira denúncia de tortura em unidades da Fundação CASA, inclusive nesta de Taipas.
Em 2015, o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/unidade-casa-de-taipas), órgão integrante da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio de uma equipe multidisciplinar, esteve presente na supracitada unidade e publicou em outubro do referido ano um relatório sobre o que presenciou durante as visitas e o que foi apreciado a partir dos relatos das/dos adolescentes, que tiveram suas identidades preservadas.
A unidade foi escolhida a partir da análise de critérios pré-estabelecidos, entre eles: “(…) recorte de gênero, fatos e situações noticiadas que indicavam risco de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (pp.3, grifo nosso).
De acordo com o relatório, “(…) as adolescentes então passaram a falar sobre o cotidiano da unidade, abordando várias situações de dúvidas, incômodos e situações que podem ser configuradas como de maus-tratos, tratamentos desumanos e degradantes tortura (sic)” (pp.15, grifo nosso).
Tanto nos relatos feitos atualmente pelos familiares como os que constam do relatório, algumas das situações de maus-tratos e torturas se relacionam diretamente a uma diferenciação feita entre as/os internas/os por parte das/os funcionárias/os: “Algumas adolescentes assumidamente homoafetivas são constrangidas quando cortam seus cabelos curtos. Essas adolescentes afirmaram ainda que são hostilizadas e passam a sofrer agressões mais graves, pois vários agentes passam a tratá-las como “homens” no que se refere às punições e agressões físicas” (pp. 17).
As perseguições que acontecem são formalizadas também pelas vias institucionais, por exemplo, por meio da CAD (Comissão de Avaliação Disciplinar), que produz um documento a partir de um de processo avaliativo interno e que deve ser assinada pelas/os adolescentes envolvidas/os em avaliação disciplinar decorrente de situações conflituosas, possuindo, portanto, caráter sancionatório dentro da dinâmica de gestão dos centros. De acordo com os relatos das/dos jovens repassados às suas famílias, na prática, a consequência de uma CAD para uma/um adolescente internada/o é efetivamente a extensão da medida socioeducativa de internação por mais três meses, somando-se tal indicativo ao relatório a ser enviado ao Judiciário. De acordo com uma mãe, todas/os as/os jovens do CASA Parada de Taipas irão assinar a CAD (e ter sua medida, portanto, prolongada) devido às situações ocorridas nos últimos dias.
No que toca ao uso de algemas, apesar da indicação de que só podem ser utilizadas nos traslados externos, o relatório confirma seu uso em sanções disciplinares que se configuram como ilegais – entre elas, colhemos por meio das famílias o relato da frequente “tranca”, que se dá quando a/o adolescente que descumpriu alguma ordem ou regra do centro é colocado em um espaço restrito e, sobretudo, afastada/o do convívio com o restante da população. Essas sanções disciplinares, costumeiramente chamadas de “trancas” são proibidas mesmo no contexto de privação de liberdade, sendo necessário haver comunicação com outras instâncias do Judiciário caso haja necessidade de intervenções de cunho (ainda mais) restritivo no contexto da internação, configurando-se, quando da deliberação unilateral pelo centro para contornar essas situações cotidianas, como cárcere privado.
Embora o relato a seguir pareça repetir o início do presente documento que discorre sobre o episódio de violência do dia 11.11.16, ele na verdade pontua historicamente e ajuda a traçar o modus operandi do CASA Parada de Taipas:

“As adolescentes relatam que os agentes, especialmente os masculinos, como forma de punição batem muito nelas. O procedimento se dá através da colocação de algemas nos punhos, as adolescentes são colocadas no chão e logo desferem-se socos, pontapés entre outros. As mesmas permanecem em uma sala, ora de coordenação, ora multiuso com as algemas e sem acesso ao banheiro, de acordo vários relatos muitas urinam em si mesmas já que as fazem esperar por mais de 3 horas para serem levadas ao banheiro. Ainda relatam que os agentes preferem desferir socos no peito e na barriga, locais que dificilmente geram lesões corporais perceptíveis a olho nu.”(pp.17).

Uma das mães nos relatou, nessa última semana, que os plantões noturnos em geral são os mais violentos, sendo compostos por um quadro funcional majoritariamente masculino, coordenados por agentes femininas.
Além disso, há a constante ameaça por parte da direção do centro da intervenção do Grupo de Apoio, mais conhecido como “Choquinho” no contexto da Fundação CASA. Há de se destacar que tal grupo se assemelha à tropa de choque da Polícia Militar em sua indumentária e que, para além disso, é ‘famoso’ pelas práticas de espancamentos e torturas nas unidades, justificado pelo discurso de “contenção de tumultos”.
O relatório indica ainda que as/os adolescentes “são constantemente hostilizadas com agressões verbais humilhantes, desmotivadoras, de baixo calão, ameaças de morte inclusive quando estão na presença de familiares durante as visitas sociais. Segundo as adolescentes, as mesmas se sentem desencorajadas, pois constantemente os funcionários da unidade falam que a Ouvidoria e a Corregedoria não servem para nada.” (pp.18)
É relevante ressaltar que a diretora atual do CASA Parada de Taipas é a mesma da época do levantamento feito pela Secretaria dos Direitos Humanos, tendo assumido o cargo logo após a divulgação de diversas violências anteriores na unidade. A Coordenação Pedagógica do centro também mudou logo em seguida, no início de 2016. Mesmo com todas estas mudanças no CASA Parada de Taipas, as violências não cessaram ao longo deste ano.
Há relatos da parte de familiares de que mais da metade das/dos jovens apreendidas/os em Taipas tomam algum medicamento, em um contexto de medicalização com uso de substâncias psicoativas de uso controlado, prescritos por profissionais da medicina, de modo a tornar os corpos mais dóceis e de fácil contenção pela equipe de segurança.
Além desse tipo de violência mais “sutil”, há relatos de casos de espancamento de garotas/os que manifestam outra identidade de gênero, funcionários/as que implantam ‘armas brancas’ nos pertences das/os garotas/os como motivo forjado para “legitimar” sanções e agressões, além de ações como garotas/os algemadas com frequência, aplicação da CAD por qualquer motivo, inclusive em casos relatados como o de cartas escritas sem autorização da direção, por uso de gírias na escrita, por exceder o limite de uma folha de conteúdo (estipulado pela própria unidade) e/ou por escrever carta em outro papel que não seja aquele cedido pela equipe da unidade.
Outras das dificuldades enfrentadas pelas/os adolescentes no centro são as ausências de visitas familiares, que permanecem se repetindo e constam do relatório do ano passado. Isso se deve ao aumento da internação de adolescentes nascidas com o sexo feminino: por existirem dois centros de internação feminina na região da Grande São Paulo, sendo um o de Taipas e o outro denominado Chiquinha Gonzaga, localizada na Mooca, as/os meninas/os que moram no interior de São Paulo acabam sendo encaminhadas/os para essas unidades.
“Boa parte das adolescentes são de localidades distantes da unidade. Muitas não veem as famílias desde que ingressaram na unidade. Essa distância é mais um agravante para o necessário desenrolar da medida que se pretende socioeducativa.”(pp.25)
Isso porque o Judiciário entende que aquela/e jovem que não recebe visitas de sua família encontra-se em situação de maior vulnerabilidade, já que o cumprimento de medida socioeducativa possui um caráter multidimensional, o qual determina como fundamental a presença familiar durante este processo, com base no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Assim, muitas/os jovens que residem longe da unidade e que não contam com o custeio do transporte pelo Estado (a grande maioria) para a visita familiar veem sua internação ser prolongada, potencializando ainda mais o caráter sancionatório da medida socioeducativa por um motivo que lhes escapa às mãos.
Mais do que isso, justamente por entendermos que a violência está atrelada à estrutura da medida socioeducativa – a qual se fundamenta no referencial teórico e pragmático do Estado Penal, e, portanto, punitivista, apenas ‘reformulado’ para aplicação à determinada adolescência – compreendemos também que não se trata, portanto, de um problema específico de gestão. Não obstante a isso, buscamos a responsabilização das/dos agentes do Estado responsáveis pelas torturas e agressões relatadas, entendendo que em não havendo tal situação, o Estado autoriza e legitima tais violências.
Já para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, “(…) a falta de utilização de parâmetros básicos definidos em lei para a aplicação de medidas socioeducativas faz desse, um ambiente propício ao cometimento do crime de tortura (pp.28, grifo nosso).
“(…)

Importante relatar que as adolescentes só consentiram em falar com a equipe do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura sobre os maus-tratos e de situações que podem se enquadrar no crime de tortura após ser garantido a todas que as identidades das mesmas seriam preservadas.
As situações de humilhações e agressões físicas cotidianas relatadas pelas adolescentes demonstram um ambiente inadequado para as adolescentes, ainda mais em cumprimento de medida socioeducativa de internação, onde as adolescentes são obrigadas a estar longe de suas famílias, sob a guarda de outrem.” (pp. 29)

O relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República conta ainda, em sua parte final, com uma série de recomendações ao centro de internação, de modo a garantir um mínimo de dignidade às/ aos adolescentes ali privadas/os de suas liberdades. Entre elas, podemos destacar:

“ (…)

Que a Unidade adote procedimento interno de encaminhamento de possíveis denúncias feitas por adolescentes e familiares contra as(os) funcionárias(os):

Que esse procedimento garanta:

A segurança das pessoas que realizam a denúncia;
Que as (os) funcionárias(os) não sejam as (os)responsáveis por receber as denúncias;
Que sejam afixados em todos os espaços coletivo sas normas referentes a direitos e deveres das (os) funcionários, bem como do procedimento de denúncia (pp.34);

(…)

Recomenda-se à Fundação Casa:

(…)

Que a Fundação Casa realize afastamento das servidoras e servidores acusados de prática de conduta irregular que tenha ocasionado ou possa ocasionar risco a integridade física e psicológica da adolescente em cumprimento de medida socioeducativa:

A fim de preservar a segurança da adolescente que possa ter sido vitima de servidora ou servidor esse deve ser afastado das funções que desempenha na Unidade dos fatos e de quaisquer funções que possam interferir no cumprimento da medida socioeducativa da adolescente vitima (pp.35);
(…)

Recomenda-se ao Governo do Estado de São Paulo:

(…)

Que o Governo do Estado crie uma corregedoria, autônoma e independente da Fundação Casa garantindo a isonomia nas análises e decisões dos procedimentos acompanhados referentes ao Sistema Socioeducativo;
Que o Governo do Estado de São Paulo crie uma Ouvidoria autônoma para o Sistema Estadual Socioeducativo e que essa ouvidoria seja desvinculada da Fundação Casa.
Que o Governo do Estado de São Paulo crie o Comitê e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura (pp.36).

(…)

Recomenda-se ao Ministério Público de São Paulo – MPSP

(…)

Que o MPSP verifique a elaboração e implementação do Projeto Político Pedagógico – PPP da Unidade de Parada de Taipas.
Que o MPSP requeira a Unidade mais próxima da família da adolescente em conflito com a lei para o cumprimento da medida de internação:
Caso não haja Instituição de Internação mais próxima da família que possa requerer uma medidamenos gravosa que a internação.
Que os relatórios elaborados durante as visitas às unidades da Fundação Casa sejam encaminhados para os Conselhos Municipais e Estadual de Direitos da Criança edo Adolescente (pp. 36 e 37).

(…)

Recomenda-se ao Tribunal de Justiça do Estado de SãoPaulo – TJSP

(…)

Que o TJSP requeira a Unidade mais próxima da família da adolescente em conflito com a lei para o cumprimento da medida de internação:
Caso não haja Instituição de Internação mais próxima da família que possa determinar, sempre que possível, uma medida menos gravosa que a internação.
Que os relatórios elaborados durante as visitas às unidades da Fundação Casa sejam encaminhados para os Conselhos Municipais e Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (pp. 37).

Nesta conjuntura de abusos sistemáticos e violências explícitas (e veladas) presentes na lida diária da Fundação CASA como um todo, nos posicionamos ao lado das famílias e das/dos adolescentes que sofrem diretamente o peso da violência do Estado em suas instituições punitivas. Frente a isso, afirmamos a importância do protagonismo das famílias, que são encarceradas juntamente às suas filhas e filhos, passando por humilhações nas revistas vexatórias, ameaças e silenciamentos por parte das equipes dos centros, além do compulsório distanciamento afetivo decorrente da privação de liberdade.
Algumas das mães disseram que suas filhas e filhos relatam há tempos violências explícitas que ocorrem esporadicamente, embora “a casa esteja, na maior parte do tempo, tranquila (relato de adolescente à sua mãe)”. Com isso, podemos perceber que a leitura sobre o “sistema opressão” – quando até as poucas liberdades individuais de comportamento no contexto de cárcere são sequestradas e redefinidas pela administração do centro – tende a compreender que não são em si mesmas uma enorme violência as mãos juntas atrás do corpo, as cabeças abaixadas na maior parte do tempo, a obrigatoriedade das/dos adolescentes permanecerem em ‘formação’ (disposição dos corpos semelhante a aplicada aos soldados pelo Exército) durante o dia ou, de acordo com o plantão, a de ficarem nos dormitórios sem acesso aos demais espaços dos centros e ao convívio, entre outras condutas impostas pelo corpo de segurança (e verificadas no CASA Parada de Taipas). Sabemos que o são, de forma apenas mais diluída – já que tanto se confundem com o que se espera do cárcere em seu projeto de anulação do/a outro/outra.
Diante de todo o exposto no presente documento, estamos trazendo a público mais uma denúncia de recorrentes torturas em unidade da Fundação CASA, entendendo que não se trata especificamente do CASA Feminino Parada de Taipas, mas que são práticas institucionais abrangendo, portanto, diversas unidades. Além disso, considerando o compromisso deste coletivo autônomo na discussão acerca das medidas socioeducativas no Estado de São Paulo, estamos dispostos a formar uma rede de contatos de maneira a evitar que essas famílias, bem como suas filhas e filhos, sejam expostas a perseguições e retaliações institucionais devido à composição destas denúncias, e nos colocamos à disposição de todos os outros familiares que tiveram suas filhas e filhos torturados por agentes do Estado.

16 de novembro de 2016.

Coletivo Autônomo Herzer